Anistia aos partidos será incentivo ao desequilíbrio e à desobediência

Além do notório desinteresse dos partidos para a redução da desigualdade na busca pelo voto, vê-se a recorrente artimanha do Legislativo em voltar atrás

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JC

Publicado em 12/05/2023 às 0:00
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O descumprimento de norma que visa equilibrar o preenchimento de candidaturas por gênero e raça no Brasil pode se consumar na próxima semana. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deve aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que exime as agremiações partidárias da desobediência à cota de gênero e raça para o lançamento de candidatas e candidatos nas últimas eleições. Não é a primeira vez que isso viria a ocorrer. Há dois anos, os parlamentares aprovaram o perdão aos partidos que não destinaram 30% dos recursos do Fundo Eleitoral em campanhas de mulheres, ou sequer trabalharam pela inclusão feminina no processo político.
O que está em jogo, além do notório desinteresse dos partidos para a redução da desigualdade na busca pelo voto, é a recorrente artimanha do Legislativo em voltar atrás de avanços estabelecidos para a democracia. Sem constrangimento, os partidos e seus ocupantes concedem retrocessos ao que havia sido acertado como passo adiante no aprimoramento democrático brasileiro. E mais: sem escrúpulos, não querem nem pagar o preço legal pelo descumprimento da norma, sem assumir a responsabilidade que lhes cabia e não foi levada a sério. De certo modo, é o próprio Parlamento que, assim, demonstra não se levar a sério.
Com a união nada surreal de petistas e bolsonaristas, a anistia que deve ser concretizada envolve o uso de R$ 5,7 bilhões, correspondentes ao Fundo Eleitoral no ano passado. Da constelação de partidos no Congresso, somente o PSOL, o Novo e o Podemos ainda fizeram esforço para retirar a vergonhosa anistia da pauta. Evidentemente, sem sucesso, diante do interesse reunido de grandes partidos, do PT ao PL. Após passar pela CCJ, a PEC do desequilíbrio e da desobediência precisa passar por votação no plenário, mas não deve enfrentar dificuldades, pelo que se vê dos acordos entre os líderes partidários.
No mesmo pacote da PEC, encontra-se a anulação de punição para propagandas irregulares ou abusivas, que seriam expressas em multas aos partidos. Ou seja, além de não fazerem o que é certo, não há problema, na visão dos partidos e seus parlamentares, em fazer o errado. Como o Legislativo espera cobrar obediência da população às leis, se não cumpre as suas próprias? O poder se desmoraliza em sua essência: desdenha dos princípios que o norteiam, abandona a ética que o configura. E nisso não está sozinho, pois nem o Executivo, nem o Judiciário, parecem se importar com a revogação e o desrespeito que estão prestes a acontecer.
Do lado de fora dos muros do Congresso, 64 entidades da sociedade protestaram contra a PEC, sugerindo a deslegitimação da Constituição e a violação dos direitos das mulheres, entre outras coisas. Mas a principal constatação é a seguinte: sua aprovação irá significar, de fato, “total falta de compromisso de partidos com as pautas que afirmam defender”. É como se direitos e deveres emergissem nos anos eleitorais, para serem afundados no oceano da omissão e da desfaçatez, poucos meses depois.

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