O presidente Lula diz buscar o reposicionamento do Brasil na diplomacia mundial, desde que venceu as eleições no ano passado. Para tanto, investe lá fora na defesa de uma agenda ambiental ainda titubeante em seu governo, especialmente após o anúncio da isenção bilionária de impostos para a indústria automobilística. Em novo passo, desta vez regional, prega a integração dos países latino-americanos, na formação do que nomeia como um bloco econômico, político e social. Com isso, o presidente brasileiro não esconde o desejo de figurar como um líder continental para o resto do mundo – sem se importar de continuar atacando os Estados Unidos, repetindo narrativas que unem os regimes fechados de Nicolás Maduro, na Venezuela, e de Vladimir Putin, na Rússia.
Se a Casa Branca já relativizou o conceito de soberania, passando por cima de resoluções das Nações Unidas para invadir o Iraque, por exemplo, Lula volta a relativizar a democracia ao se instalar no Palácio do Planalto. A formação de um bloco de nações na América do Sul esbarra, de partida, na definição dos princípios norteadores da integração: será com democracia ou sem democracia, com respeito aos direitos humanos, ou com desprezo aos direitos humanos? Na Comunidade Europeia, os países precisam atender a princípios para fazer parte do bloco, desde a baliza do Estado democrático de Direito à observação das liberdades dos cidadãos.
A integração pretendida precisa ultrapassar labirintos políticos armados pelo governo brasileiro no encontro com os líderes do continente. A declarar que existe uma narrativa norte-americana contra a Venezuela – na concepção de Lula, um país que não é governado por um líder autoritário – o presidente do Brasil já arrumou discórdia com os governos do Chile e do Uruguai. O presidente Luis Lacalle Pou, do Uruguai, se mostrou surpreso com a fala de Lula, e afirmou que o pior é “tapar o sol com a mão”, lembrando a existência de diversos grupos espalhados pelo planeta, que tentam levar a democracia e o respeito aos direitos humanos à Venezuela.
O presidente chileno, Gabriel Boric, de esquerda, fez questão de dizer com todas as letras: “Não é construção narrativa, é uma realidade”. Boric ainda deu seu testemunho pessoal de ter visto o sofrimento nos olhos de milhares venezuelanos que fogem da ditadura de Maduro em direção ao Chile, à espera de posição firme e clara em defesa dos direitos humanos. É o mesmo sofrimento, e o mesmo pedido, dos venezuelanos que chegaram ao Brasil, nos últimos anos. Mas, segundo a visão expressa por Lula, eles não teriam razão para migrar. Na narrativa construída por Maduro, a miséria em seu país é gerada apenas pelas sanções dos EUA. Resta perguntar se os presos políticos que tentaram fazer oposição ao governo também estão no cárcere graças a Washington. Para o presidente chileno, alías, a prova do fracasso do chavismo na Venezuela, do qual Maduro é herdeiro, é a diáspora de 6 milhões de venezuelanos. Boric também critica o regime da Nicarágua, do ditador Daniel Ortega.
Com lentes diferentes para ver a democracia, Lula – que se elegeu numa frente ampla pela preservação democrática – afronta as instituições e a defesa pelos direitos humanos no mundo inteiro.
Integração da América do Sul – com ou sem democracia?
Na Comunidade Europeia, os países precisam atender a princípios para fazer parte do bloco