Desmoronamento

A omissão por trás da tragédia

Nômades do déficit habitacional foram vítimas, mais uma vez, do descontrole urbano e do descaso das autoridades públicas

JC
Cadastrado por
JC
Publicado em 08/07/2023 às 0:00

Existem duas reações comuns logo após um acontecimento trágico como o de ontem, em Paulista, no desabamento parcial de um bloco de três andares interditado para moradia há 13 anos – e mesmo assim, apesar do risco, ocupado por pessoas sem ter onde morar. A primeira reação comum é associar a tragédia ao destino, ao acaso, ao infortúnio, enfim, a causas fora do controle humano. E a segunda é buscar os responsáveis pela tragédia, no afã de aliviar o peso da realidade com o direcionamento da carga de culpa. As duas reações são compreensíveis, e refletem o horror diante de um fato desestruturante do cotidiano, no caso, o desabamento de uma construção condenada, mas com habitantes lá dentro.
O que sobrou do pequeno prédio que colapsou foi demolido imediatamente, para evitar outro desmoronamento. Enquanto as buscas por sobreviventes e corpos continuam, sob a disposição e a solidariedade da esperança, pelo menos dez vítimas foram encontradas pelo Corpo de Bombeiros, Defesa Civil, Samu, Polícia Militar e equipes de voluntários trabalhando sobre os escombros, com o auxílio essencial de cães farejadores. Três vítimas já estavam sem vida, soterradas debaixo das paredes e do teto que as abrigavam. Uma outra faleceu no hospital. Possivelmente todas sabiam do perigo, mas entre o relento na rua e o risco, escolheram a proteção de uma ilusão sólida. De acordo com as notícias, o imóvel foi vistoriado pela companhia de seguros, no dia anterior ao colapso. O que significa que havia algum tipo de monitoramento da situação irregular de moradia no condomínio. Um monitoramento distante, burocrático, e em larga medida, absurdo: a interdição da habitação retirou os moradores, há mais de uma década, mas não impediu a reocupação por outros habitantes, nômades da falta de moradia, que terminaram pagando o preço do descontrole urbano que grassa na Região Metropolitana do Recife.
Um prédio condenado não pode ter gente dentro. Esse é um pressuposto que não deveria ser abalado. Mas infelizmente, é. A população carente, sem alternativas, invade o espaço desocupado, enquanto as autoridades fazem vista grossa para a iminência de uma tragédia anunciada. Assim como o desabamento em Olinda, meses atrás, e este do Janga, ontem, vários prédios condenados e ocupados expõem a omissão e o risco que permanecem, durante anos, atravessando governos municipais e estaduais. No que diz respeito à questão habitacional, a gestão pública em nosso estado, incluindo prefeituras, parlamentos, e a Justiça por onde tramitam processos intermináveis de indenização aos proprietários lesados, parece uma estrutura sem alicerces, onde a base é a omissão. E quando os prédios vêm ao chão, sem a prevenção do bom senso e a concretização do que precisaria ter sido feito, são vidas que se misturam aos escombros.

Edição do Jornal

img-1 img-2

Confira a Edição completa do Jornal de hoje em apenas um clique

Últimas notícias