HABITAÇÃO

Em cima do túnel

Ocupação desordenada e sem a infraestrutura adequada põe a população em risco

Imagem do autor
Cadastrado por

JC

Publicado em 04/09/2023 às 0:00
Notícia
X

O déficit habitacional acumulado nas últimas décadas no Recife e nas demais cidades da Região Metropolitana, com a capital como polo, é a explicação recorrente para a desordem na ocupação urbana. No entanto, é preciso ir mais fundo. O próprio déficit de moradias já reflete a desordem, que também o causa. Na medida em que o poder público faz vista grossa para o caos de habitações vulneráveis, irregulares, desprovidas de estrutura básica e, muitas vezes, afetando o meio ambiente, os vazios disponíveis no território vão sendo preenchidos de qualquer maneira. E assim, o dever dos governos de prover moradia de qualidade é substituído pelo direito de ocupar as cidades de qualquer jeito, no improviso, sem a responsabilidade que caberia às autoridades.
Assim é com as palafitas, as margens de avenidas e viadutos, o ajuntamento nos morros ou sobre um túnel, no Recife. O excesso de peso da ocupação permitida pelo desleixo ameaça a construção viária, pondo em risco as vidas na comunidade acima, e de quem passa pelo túnel, embaixo. Está tudo errado ali, a começar pelo caos urbano alimentado pelo déficit habitacional – agravado pela falta de interesse e de investimentos do poder público, incluindo prefeituras e o governo do Estado, há muitos anos. Se no caso da capital é notório o descaso, no atraso da entrega de conjuntos habitacionais que deveriam estar prontos, desde gestões anteriores, a questão não pode ser menosprezada, como foi durante tanto tempo, pelo Palácio do Campo das Princesas. Assim como em outros temas, a habitação poderia ser melhor gerida em conjunto, pelos prefeitos da Região Metropolitana, com a participação e coordenação do governo de Pernambuco.
Depois de uma denúncia na Voz do Leitor, do JC, a Prefeitura do Recife foi ao local e demoliu duas construções consideradas irregulares. Até uma piscina em cima do túnel havia. Mas o problema é de origem: o monitoramento da ocupação precisa ter o controle da situação antes, e não depois que o risco se instale. O exemplo mais recente foi o dos prédios condenados ocupados, no Janga, em Paulista. O poder público deve estar preparado para se antecipar às tragédias, porque não é o déficit de moradias que produz a tragédia, e sim, a omissão do poder público.
No caso do túnel em Boa Viagem, as famílias que ali se instalaram esperam providências há duas décadas. Foram feitas retiradas, concedidos auxílios-moradias, mas sem o controle urbano permanente, alguns voltam, outros aproveitam e chegam. A situação precária de habitação deve ser motivo adicional de remoção e solução melhor, e não, atenuante para o descaso. Afinal, o direito à vida íntegra e à moradia digna precisa ser maior do que o direito à ocupação desordenada em lugar de risco.
Quase 7.500 recifenses têm direito ao auxílio-moradia, sem que o direito à habitação seja atendido. O valor é baixo, e a entrega de residenciais vem de um histórico de lentidão e paralisia. Enquanto isso, o déficit estimado bate em 70 mil unidades.

Tags

Autor