Sem limite, juízo ou vergonha
Perspectiva de disparada de gastos pode transformar promessas em dívidas impagáveis, comprometendo o futuro dos brasileiros
Com um governo federal quase livre para prometer gastos como quiser, sem saber de onde vem o dinheiro – basta ver o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – e um Congresso cada vez mais solto na voracidade orçamentária, o Brasil se encaminha para o aumento das contas públicas como uma regra sem freios, limites ou juízo. E muito menos, vergonha, porque os legisladores e integrantes dos governos sabem que não há garantia de fonte orçamentária, mas apostam num cofre sem fundo e na gastança sem consequências, nem punição. Sem responsabilidade fiscal, gerencial e a leniência da Justiça que até a corrupção anula, o país se dirige para um abismo de endividamento. O exemplo da vizinhança desponta, com o caso irrecuperável da Argentina.
Em artigo publicado no JC de ontem, Marcos Lisboa e Marcos Mendes buscaram expressar a preocupação que se alastra, a respeito do risco de descontrole dos gastos públicos no Brasil de Lula e Lira. O fermento dos benefícios não para de descaracterizar a reforma tributária, e um Executivo refém do parlamento não faz questão de se rebelar contra essa e outras formas de burlar os limites orçamentários. “Os dados indicam que o orçamento para 2024 superestima as receitas e subestima a despesa. Tudo na contramão da boa gestão pública”, escrevem no artigo, que pode ser lido na íntegra e de maneira gratuita no JC Online.
Com o arcabouço fiscal da nova equipe econômica servindo de substituto ao antigo teto de gastos – impopular da esquerda à direita na maior parte do perdulário espectro ideológico nacional – o aumento das despesas é garantido. Como resposta ao que é certo, o ministro Fernando Haddad e o presidente da República prometem buscar o equilíbrio das contas, por exemplo, taxando os milionários e bilionários, sem saber se será suficiente para tapar o buraco que vem por aí. “Há mais retórica do que fatos. A cobrança de tributos sobre fundos exclusivos e offshores gera uma receita pequena, 12% do que o governo diz precisar”, afirmam os articulistas. O problema também está nessa dúvida: o que o governo diz precisar será mesmo a cifra que o país, no fim das contas, terá que pagar – mesmo depois que Haddad e Lula estiverem muito longe do Planalto?
A previsão superestimada de receitas para assegurar o controle das contas não suporta a pragmática política entre o governo federal e o Congresso, cada vez mais desinibido em exigências ao sequestro dos gastos. Para Lisboa e Mendes, o que se apresenta para o futuro próximo é uma inversão das condições que servem de premissas ao equilíbrio: “Um orçamento responsável deve ser conservador na estimativa de receitas e deve prever margem para despesas inesperadas”, dizem, apontando que o orçamento de 2024 contém o oposto, receitas anunciadas sem as medidas aprovadas no Congresso, e despesas abaixo do razoável da precaução. Perdas de receitas já aprovadas no Legislativo, por outro lado, não foram contabilizadas. O cenário é de alerta vermelho para as contas públicas, com grande perigo para uma economia pendurada em dívidas e falta de recursos, se a sensatez dos limites e da prudência não voltar ao seu lugar.