A escolha que falta ser feita
São gastos quatro vezes mais recursos por ano com armas, do que o necessário para acabar com a miséria no planeta
Para cumprir metas que dizem respeito à reparação de equívocos históricos, e à garantia de um mundo melhor no futuro próximo, seriam necessários recursos da ordem de 500 bilhões de dólares por ano até 2030. A estimativa é da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas o secretário-geral da entidade, Antonio Guterres, apresentou o número com uma comparação tão vergonhosa quanto animadora – se é possível se animar a essa altura dos passos que já demos enquanto humanidade: apenas no ano passado, foram gastos 2,2 trilhões de dólares com armas, mais de quatro vezes o valor anual estimado para acabar com a pobreza e a miséria no mundo, erradicando a fome e distribuindo dignidade e esperança para centenas de milhões de pessoas.
A escolha pelas armas e pelas guerras que elas sustentam, é uma escolha pela morte, na perpetuação de profundas desigualdades nos países em conflito e muito longe de onde o sangue é derramado por motivos sempre mal explicados. Enquanto isso, os 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos em 2015 para serem cumpridos até 2030, contam com apenas 10% na direção do alcance, e 30% encontram-se estagnados ou piores do que há 8 anos. A erradicação da pobreza extrema e da fome está muito longe da viabilização. Segundo a FAO, a insegurança alimentar extrema faz parte do cotidiano de 725 milhões de indivíduos, atualmente.
As metas para a infância não vão em melhor perspectiva. Pelos cálculos do Unicef, um quarto da população infantil pode chegar a cumprir as metas estipuladas para daqui a sete anos. O que significa quase 2 bilhões de crianças fora dessa realização, com a qualidade de vida comprometida quando adultos. A insustentabilidade humana no planeta se traduz de muitas formas, mas a opção pelas armas ao invés da vida talvez seja a mais explícita escolha pela autodestruição – da espécie que pode deixar o maior rastro de voracidade jamais deixado por um ser vivente em mais de 4 bilhões de anos da existência da Terra.
António Guterrez pode soar dramático ao afirmar que “a Agenda 2030 se transformará num epitáfio do mundo que deveria ter sido”. A meio caminho andado das promessas feitas por líderes da maioria dos países, contudo, a sentença exibe um realismo desprezado por aqueles que teimam em não enxergar os danos causados pelos seres humanos a si mesmos, e aos demais ocupantes da biodiversidade planetária ao longo do nosso predatório percurso.
O mais trágico é que a escolha que falta ser feita não é da responsabilidade exclusiva dos diplomatas e governantes de alto escalão. Os representantes de uma civilização que prefere torrar trilhões em armas, todos os anos, são o espelho de sociedades nacionais e locais onde o desinteresse pelos que mais precisam é notório na inversão de prioridades dos governos e na falta de interesse de parcela da população. O valor da vida se esfumaça quando a omissão diante da dor de tanta gente com fome, sem saúde, se demonstra inviolável, pela repetida preferência do disparo de mísseis e balas.