Sem o entusiasmo da juventude
Descrédito dos jovens nas instituições põe em risco o futuro de valores da liberdade e do sistema democrático
Pesquisa realizada em 30 países pela Open Society Foundations, cujos resultados foram divulgados há poucos dias, retrata a desconfiança das gerações mais novas em relação às instituições democráticas que embasam a representação política e a forma de poder lastreada nos pilares da lei e da justiça. Por isso, o registro do descrédito abala os alicerces de um futuro não muito distante, no qual esses jovens descrentes podem não se sentir engajados na defesa da liberdade e dos valores da democracia. O descolamento pode ser transmitido aos filhos desses jovens, abrindo a guarda para a consolidação de tentativas autoritárias de exercício do poder, no vácuo do lastro democrático.
Em artigo sobre o levantamento, publicado ontem no JC, a doutora em Ciência Política, Priscila Lapa, e o economista Sandro Prado, avaliaram os resultados. Quase a metade dos entrevistados de 18 a 35 anos de idade afirmaram que a democracia não é preferível a outros tipos de governo. A preferência por um regime militar abrange 42% dos jovens dessa faixa etária, e mais de um terço desejam um líder forte que não precise se preocupar com a renovação do poder através de eleições. São indicadores sugestivos de uma ressaca mundial diante dos fracassos evidenciados por uma realidade desigual, onde a miséria, a fome e as dificuldades econômicas e sociais afetam grande parte da população do planeta.
“A percepção de desigualdade e exclusão na sociedade leva os jovens a acreditarem que a democracia não está funcionando para todos e que seus interesses não estão sendo representados adequadamente", apontam os autores do artigo publicado no JC. Uma percepção que é turbinada de maneira radical por ondas de fake news e campanhas difamatórias nas redes sociais, esvaziando o debate político, que é substituído por visões extremistas inconciliáveis. Sem abertura para o diálogo, o cenário se estreita ainda mais, fazendo com que a democracia que está sendo minada seja acusada de não cumprir seus objetivos.
Levando em conta o conjunto dos entrevistados de todas as faixas etárias, quase 60% enxergam a possibilidade de violência decorrente da política, no ano que vem – percentual que é de exatos 60% no Brasil, e chega a 73% na instável Argentina. Mesmo nos países de democracia considerada mais estável, essa expectativa é alta: 66% nos Estados Unidos, que terão eleições presidenciais em 2024, e também na França. A previsão da maioria vem de um consenso temerário por causa de experiências recentes de polarização e violência, por exemplo, entre norte-americanos, franceses e até brasileiros, na invasão dos prédios públicos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, em janeiro.
A recuperação do interesse da juventude na política e de sua confiança na democracia depende, em larga medida, da recuperação das próprias instituições democráticas. A instabilidade jurídica, a impunidade dos corruptos, a inversão de prioridades que promove mais exclusão e estende a desigualdade – tudo isso deve ser combatido por práticas republicanas, humanistas e liberais, no sentido clássico da ideologia libertária que sempre se opôs aos totalitarismos e às visões estreitas e distorcidas de mundo. As instituições precisam resgatar o entusiasmo dos jovens, fazendo o que devem fazer, valorizando a democracia ao invés de contradizê-la.