Muitas barreiras e poucas oportunidades
Se o poder público tivesse mais respeito e empatia pelos infortúnios da pobreza, o acesso ao desenvolvimento não seria sempre uma utopia adiada
Dois enfoques trazidos na edição de ontem do JC evidenciam a dimensão das dificuldades para que o Brasil alcance patamares mais sólidos e duradouros de desenvolvimento. E tudo começa pela inversão de prioridades, que contamina a gestão pública em todos os níveis, de norte a sul do país. Se houvesse poucos recursos, não teria tanto dinheiro para obras que, embora não desnecessárias – algumas são – deveriam esperar a vez na fila das prioridades, dando lugar às demandas sociais históricas que emperram a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, geração após geração. Como as condições de transporte e a falta de investimento em formação para o mercado de trabalho.
Estudo realizado pelo Ipea divulgado na última quinta-feira atestou, mais uma vez, o enorme prejuízo dos engarrafamentos para a população pobre. Parados no trânsito, os cidadãos de baixa renda são os mais penalizados na busca por vagas de emprego – que é a busca pela dignidade e pela sobrevivência em padrões mínimos de segurança financeira. As portas de oportunidades de trabalho são fechadas diariamente para milhares de pessoas nas 20 maiores cidades do país, devido aos congestionamentos. O prisma adotado é original e esclarecedor: enquanto não houver prioridade para o transporte coletivo eficiente – claramente, ônibus e metrô – as classes de menor renda continuarão sofrendo e perdendo chances de emprego.
O entupimento das artérias urbanas, em todo o território nacional, torna mais vulneráveis os pobres, impedindo o acesso a oportunidades de cidadania. Com a priorização dada aos automóveis e motos, estimulando a indústria e o comércio de veículos individuais, ou quase individuais como os carros, os caminhos para o transporte coletivo se estreitam. Sem corredores exclusivos, por exemplo, os ônibus compartilham o engarrafamento, partindo atrasados e lotados. Onde o transporte metroviário é sucateado e insuficiente, como na Região Metropolitana do Recife, o problema se agrava, revelando a falta de mobilidade como parte da injustiça social.
Na coluna Social1, destacamos outro estudo, do Itaú Educação e Trabalho, no qual pesquisadores do Insper estimam que o Produto Interno Bruto (PIB) poderia ter um acréscimo além de 2%, com a triplicação do número de jovens matriculados em escolas técnicas. E não falta demanda para isso. Diversas vagas não são preenchidas por déficit de capacitação no Brasil. Com mais cursos técnicos e o aproveitamento do potencial aberto pelo conhecimento específico, a empregabilidade da juventude poderia alavancar a economia, inclusive com a oferta de salários melhores do que o mercado disponibiliza atualmente.
A ampliação da educação técnica pode favorecer a população pobre, assim como o investimento maciço em transporte público nas grandes cidades e regiões metropolitanas. São dois exemplos de gargalos estruturais antigos e persistentes, como o desleixo com a habitação para a baixa renda em detrimento da maquiagem urbana para a classe média e alta. Se o poder público no Brasil tivesse mais respeito e empatia pelos infortúnios da pobreza, o acesso ao desenvolvimento não seria sempre a utopia adiada e prometida por todos os governos.