Mais motos nas ruas: hospitais lotados
Aumento de vítimas no Recife é um exemplo do descontrole urbano que acompanha o boom dos serviços de transporte por aplicativo
A relação entre o sofrimento de pessoas vitimadas por sinistros no trânsito e o uso cada vez maior de motocicletas, vem sendo observada há alguns anos, tendo recebido reportagens especiais e o acompanhamento das notícias pelo JC. Novos números vêm reforçar o risco do transporte em duas rodas motorizadas para a saúde pública, notadamente na Região Metropolitana do Recife. De acordo com o SAMU, de janeiro a julho deste ano, enquanto foram registrados 245 sinistros com carros e 307 com bicicletas, foram 2.770 com motos – 706 a mais que no mesmo período em 2022, e 964 a mais que em 2021. A estatística é inquietante, porque o que já era uma alta incidência, no ano passado e no anterior, ficou ainda pior, com a disparada dos serviços de transporte por esse modal através de aplicativos, no vácuo de alternativas de transporte coletivo acessíveis e seguras para a população.
O que se propagava como perigo aos motociclistas, na condução das motos, agora se apresenta também aos passageiros, nem sempre acostumados e atentos aos cuidados que um passageiro de moto deve ter. O que pode ser visto como um ganho para a mobilidade, se transforma em desastrosa consequência para a saúde pública, levando milhares de vítimas às emergências dos hospitais e, em muitos casos, implicando em sequelas físicas e psíquicas durante anos, ou pelo resto da vida – sem falar no risco acentuado de morte na garupa do serviço que se compra como vantagem. Lembrando o dito popular, dispondo dos números como fatos, para as vítimas que pegaram carona, é o barato que sai caro.
A comercialização de motos no Brasil disparou nos últimos meses, confirmando a tendência turbinada pelos aplicativos. O fenômeno que vai parar nas emergências hospitalares não deixa de ser da responsabilidade do poder público, que deve zelar pela segurança geral no ambiente de transporte, e pelas condições encontradas pelo cidadão nos serviços públicos de saúde. Na encruzilhada em que os sinistros com motos abarrotam os hospitais, governantes e gestores públicos chegam com atraso, quando poderiam planejar e gerir melhor, evitando esse triste cruzamento.
Se há exigências de segurança para os passageiros – que na prática são copilotos nas motos – falta fiscalização para a prestação de serviços dos aplicativos, e para as travessias realizadas nas ruas. É comum se ver os passageiros dos aplicativos de motos se comportando como se não estivessem numa motocicleta, de mãos soltas ou até de aparelho celular nas mãos, elevando o risco para si e para os condutores. E o que as autoridades dizem, ou fazem a respeito? Basta olhar as estatísticas para saber que algo não vai bem na gestão do transporte urbano, no Recife, em Pernambuco e no país.
A insuficiência da oferta de transporte coletivo decente para a população resulta no cenário decadente em que a mobilidade vira uma aventura diária, com a participação certa do SAMU. A responsabilidade viária também cabe aos governantes, cujo descaso diante do problema é evidente.