Equilíbrio das contas na berlinda
Declaração do presidente Lula sobre inviabilidade da meta de déficit zero para o ano que vem pode enfraquecer o ministro Fernando Haddad
Na harmonia instável entre o planejamento econômico do governo federal e a realidade da economia pautada pelo Congresso, veio de uma declaração do presidente da República o peso mais recente do desequilíbrio. Em favor da pragmática de acordos, cargos e laudos orçamentos que, para serem aprovados e gastos, precisam de lastros nem sempre existentes, Lula disse em entrevista coletiva que o déficit zero, meta prometida pelo ministro da Fazenda, não é factível para o ano que vem - como tem insistido Fernando Haddad.
Ao desmentir publicamente a principal sustentação de seu ministro e da equipe econômica em prol da estabilidade fiscal, o presidente põe a gangorra para o outro lado, estimulando a manutenção e a criação de despesas que continuem estourando a capacidade orçamentária. Com a fala dita com naturalidade, Lula pode ter desmontado os alicerces políticos do arcabouço fiscal e lançado para longe o discurso do equilíbrio das contas públicas, repetido por Haddad, apesar das críticas à regra do teto de gastos, encontrada pelo atual governo - e mal vista por políticos de diversos partidos desde a implantação na gestão Michel Temer.
E não podia ser pior a sincronia da incontinência verbal presidencial com os esforços de articulação da equipe econômica para aprovação de medidas consideradas importantes, relativas ao orçamento de 2023. Somente a tributação de benefícios do ICMS, em tramitação no Congresso, pode significar um acréscimo de R$ 35 bilhões no caixa da União. A taxação de fundos e paraísos fiscais ainda precisa passar pelo Senado. Essas e outras demandas requerem articulação, baseada na necessidade do déficit zero pretendido pelo governo, sob a chancela do ministro Fernando Haddad. Mas o temor de enfraquecimento político das alegações de Haddad começou a circular em Brasília, logo após a peremptória negação de Lula sobre a conquista do equilíbrio no déficit já para o ano que vem.
Parece haver uma preferência no Planalto pela estabilidade política via consolidação da proximidade com o Centrão, em detrimento da estabilidade econômica através da construção de um arcabouço fiscal ainda não testado. A primeira é imediata e se apresenta como meio de garantia da maioria parlamentar, além de poder gerar dividendos eleitorais nos pleitos municipais. A segunda é impopular entre os políticos, e não agrada outras áreas do Executivo, fora a Fazenda. A insatisfação com o teto de gastos, aliás, era um dos pontos de convergência entre bolsonaristas e petistas, no governo passado.
A fala de Lula ainda sinaliza para uma divergência interna, na gestão, entre a possibilidade de contingenciamento de investimentos do PAC, por exemplo, e a perspectiva de aplicação dos recursos de forma a não atrasar o cronograma de obras - muitas delas já atrasadas de PAC anteriores. Talvez seja difícil para Haddad e sua equipe manterem o leme firme no rumo do equilíbrio fiscal, enquanto o presidente da República, o restante do governo e a maioria do Congresso não revelam muito apreço por esse objetivo.