CIDADANIA

Quando o presente olha para o futuro

Apresentação da Orquestra Criança Cidadã emociona o Papa Francisco, em concerto especial pela paz, no Vaticano

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JC

Publicado em 06/11/2023 às 0:00
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O medo estampado no rosto, o olhar vazio sem direção e o sequestro de oportunidades para o pleno desenvolvimento dos potenciais de vida, são parte da realidade de milhões de crianças ao redor do mundo. Milhares delas estão aqui, no Brasil, morando em condições subumanas, desprovidas de alimentação básica e sem a chance de serviços essenciais de educação e saúde que permitam o exercício da cidadania, alguns anos mais tarde, na juventude marcada pela infância perdida. É o futuro comprometido dessas crianças, e da sociedade em que nascem e crescem, sem o devido apoio, que nos mira coletivamente, na persistência do desamparo no presente.
No último sábado, o Papa Francisco recebeu, no Vaticano, a Orquestra Criança Cidadã, criada no Recife, e outros jovens, numa celebração musical em prol da cultura de paz. Em palavras emocionadas, o pontífice recordou o trabalho de Dom Hélder Câmara, cuja dedicação à população mais pobre exaltava um comportamento de solidariedade, empatia e engajamento, na direção da compreensão do sofrimento e de sua superação, com o envolvimento social de quem pode mais, para quem pode menos. A menção também se revestiu de importância porque a memória do falecido arcebispo emérito de Olinda e Recife se encontra em processo de beatificação. O reconhecimento do papa a Dom Hélder enaltece, de qualquer forma, uma atitude cara aos que acreditam que os horrores do mundo não são fatos dados, mas terrenos onde se deve semear a transformação.
Há 17 anos, a realidade adversa mudou para crianças e jovens pernambucanos, com o projeto idealizado pelo juiz João José Targino, da Orquestra Criança Cidadã. O juiz foi ao Vaticano e entregou um violino ao papa Francisco. “Que a presente manifestação artística possa converter-se em mais uma semente plantada, para a colheita dos frutos da paz universal e inclusiva entre todos os povos”, afirmou Targino. Um exemplo da sintonia no ambiente foi dado por um jovem russo de 20 anos: “É muito bom o sentimento de conseguir conversar pela música”, exprimiu Nikita Shkuratov. Músicos da Ucrânia e da Itália também estavam presentes.
O resgate de crianças pelo sonho de uma orquestra que, além da música, promove a afinação da cidadania, teve início em uma das mais violentas comunidades do Recife, no Coque. Atendendo centenas de crianças e jovens de 6 a 21 anos, o projeto oferece, ainda, apoio pedagógico, médico e psicológico, e distribui refeições para os participantes. O primeiro passo da profissionalização acontece através do ensino da construção e reparo de instrumentos de corda. Há intercâmbio em parceria com universidades europeias e da América do Norte. Desde 2015, a Orquestra Criança Cidadã integra o Programa de Escolas Associadas da Unesco.
A cidadania afinada nos mostra que é possível fazer mais pelo futuro, no presente. Mesmo quando o presente é tão desafiador quanto um cenário de guerra.

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