Entre o futuro e a hipocrisia
Conferência da ONU sobre as mudanças climáticas começa hoje, nos Emirados Árabes, sob a expectativa de pressão pela transição energética
O início da COP28, nesta quinta-feira, em Dubai, traz uma contradição que parte da sede do evento: um encontro para a redução das emissões poluentes e a aceleração da energia verde e limpa, no centro mundial dos negócios do petróleo. A narrativa para esse detalhe aborda o detalhe como algo curioso, ou até surreal, quem sabe um paradoxo. Um detalhe tão grande não passa desapercebido, e assume, para as Nações Unidas e todos os participantes, um viés de risco na atitude persistente dos líderes mundiais há pelo menos 50 anos, tomando-se o encontro de Estocolmo em 1972 como marco do alerta ambientalista. Se a humanidade não sair de Dubai com um compromisso global pela imediata transição energética, é porque o saldo de negócios dos combustíveis fósseis terá vencido, em agenda que se traveste de paralela, confirmando a hipocrisia. Enquanto miramos o abismo das mudanças climáticas, a reunião da ONU pode representar um salto para o futuro, ou apenas realçar a posição costumeira, à beira da hipocrisia ambiental.
Tendo como foco a busca de medidas em larga escala para limitar os efeitos já em curso no planeta, em consequência do aumento da temperatura média – que precisa parar de subir – a COP28 irá reunir mais de 70 mil pessoas de hoje a 12 de dezembro, em comitivas nacionais, de governos e representantes da sociedade, numa grande Olimpíada de retóricas em torno do óbvio. No entanto, sem a presença dos dois maiores líderes de países poluentes – Joe Biden, dos Estados Unidos, e Xi Jinping, da China – o encontro perde força política. Mesmo assim, nações emergentes, como o Brasil e a Índia, além do bloco da União Europeia, podem correr atrás de um protagonismo simbólico na construção do futuro verde – a cor da esperança em uma economia limpa, que preserve as condições atuais do habitat que nos acolhe, o único disponível no vasto universo que conhecemos.
Como será defender o carro elétrico e o controle das viagens internacionais, para reduzir a emissão dos aviões, na mansão dos petrodólares? O tom dos cientistas não esconde mais a inquietação diante do que se considera um suicídio coletivo, que mata junto outras espécies na rota para o colapso ambiental que se vislumbra com o aumento da emissão de gases poluentes e a elevação da temperatura na Terra, nas últimas décadas. E a estimativa otimista é de que o petróleo, o gás e o carvão continuem movendo a roda autodestrutiva humana pelo menos nos próximos 20 anos. É muito tempo para um curso de alto risco na direção de um horizonte climático de calor, elevação dos níveis dos oceanos e intensificação de fenômenos naturais extremos.
De um lado, cientistas e ativistas ambientais puxarão o coro do alerta, aproveitando os holofotes da Conferência da ONU. De outro, políticos e diplomatas em suas práxis defenderão o planeta com ênfase, e com maior ênfase ainda poderão acusar os países ricos pela destruição do futuro. Resta saber o que sairá de Dubai, de fato, no confronto do alarme da sensatez contra a frieza da hipocrisia.