Jornalismo em tempo de guerras
No campo minado das verdades inventadas por fake news, a circulação livre da informação jornalística é fundamental
Enquanto, no Brasil, uma certa sanha regulatória invade a Suprema Corte para criminalizar a atividade jornalística pelo que pessoas falem nas entrevistas, no cenário conturbado das guerras de território o desafio é barrar a incidência de mentiras e falseamentos que recordam o enredo de “1984”, de George Orwell. Escrito justamente por um jornalista inglês como denúncia em forma de ficção, contra a escalada autoritária em nome de uma liberdade deturpada, a obra atravessou as últimas décadas do século passado, e chega atual no primeiro quarto do século 21. Vale mencionar os lemas do partido único governista e seu autoritarismo baseado na figura paternal e ameaçadora do Grande Irmão: “Guerra é paz, ignorância é força, liberdade é escravidão”.
Preocupada com o arsenal da desinformação, a organização Repórteres Sem Fronteiras lançou uma campanha para valorizar o jornalismo e nosso trabalho em busca da informação transparente e verdadeira, para ser transmitida ao público sem rodeios, com responsabilidade e em respeito à democracia e aos valores humanistas. A manipulação da opinião pública vem sendo observada em grande volume nos últimos meses, a partir sobretudo de contas russas, que chegam a afirmar que a invasão da Ucrânia não passa de uma encenação da OTAN (Organização dos países do Tratado do Atlântico Norte). Chamar a atenção dos cidadãos do planeta para a importância do jornalismo no combate às fake news é o objetivo da campanha, que será veiculada nos meios de comunicação convencionais e também nas mídias sociais, como uma espécie de antídoto ao compartilhamento da realidade forjada para iludir e gerar ódio, ao invés de compreensão.
“O trabalho dos jornalistas nos campos de batalha, na Ucrânia, no Oriente Médio e em todo o mundo é necessário para relatar a realidade dos fatos e reduzir o impacto da propaganda, manipulação e rumores”, diz da RSF. Para que a mensagem se propague e a desinformação reflua, a conscientização sobre a necessidade do trabalho jornalístico deve prevalecer sobre o desejo de somente receber informações que reforcem as próprias crenças e inclinações, mecanismo bem utilizado pelos disseminadores de fake news. É como se além das guerras entre povos e países, houvesse outra, difusa e mais difícil de se apaziguar: a guerra da mentira que alimenta a intolerância e a violência.
Desde o início do conflito entre Israel e o Hamas, 61 jornalistas morreram no exercício da profissão, segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas relatou, dias atrás. Se o risco à vida é inerente à cobertura das guerras, um risco menos visível, mas latente, se espalha por todo o mundo quando a democracia e a liberdade se defrontam com disposições geradas por informações falsas e antipatias insufladas no território virtual. É preciso que os defensores da liberdade e da justiça se mobilizem a favor da informação e da comunicação, e não contra, em ataques aos órgãos de imprensa e aos profissionais que se dedicam ao direito essencial da informação e crítica para todos os indivíduos.