Milei e a promessa fiscal
Depois de vencer as eleições como candidato extravagante, o novo presidente argentino assume o governo sob os lemas da austeridade e da eficiência
Protagonista de uma das campanhas mais esquisitas dos últimos anos na América Latina, mesmo para os padrões do populismo no continente, Javier Milei assumiu o comando da Casa Rosada, no domingo, badalado por representantes da direita, para um mandato cercado de grandes expectativas. O que é comum nas eleições de personagens que se apresentam como outsiders, e paradoxalmente, salvadores, como se a salvação das pátrias dependesse de alguém de fora do sistema político – mesmo ao postular a responsabilidade em uma disputa dentro de todos os requisitos da lei vigente, e sabendo muito bem que passa a ser a referência maior do sistema, ao ser eleito.
A diferença entre o último dia de campanha e o primeiro dia de governo surge logo no tom pesado de compromissos com a realidade. Ao dizer que não há dinheiro para nada, e dar início a uma reforma administrativa que corta metade dos ministérios – que já eram poucos em comparação com a Esplanada brasileira – que saíram de 18 para 9 pastas, o novo presidente da Argentina chega com o discurso de reduzir o espaço para troca de cargos por favores e desvios. Atacar o Estado inchado e corrupto foi um dos focos da campanha. Para se tornar foco do governo, terá que demonstrar na prática um elevado espírito público, fechando a porta para o que não disser respeito ao interesse coletivo. Ainda é muito cedo para saber se o proclamado anarcocapitalista terá bom desempenho como gestor de um país falido, que precisa de eficiência em todos os setores.
O chamado à racionalização dos gastos estatais não é novidade entre os argentinos, embora não seja lá tão comum. Um dos apoiadores decisivos no segundo turno da eleição de Milei, o ex-presidente Mauricio Macri, assumiu com proposta semelhante, mas não logrou êxito. Agora tido como articulador do novo governo, Macri defende cautela na ousadia que marcou a campanha, afirmando, por exemplo, que antes da dolarização, a economia pede ajuste fiscal para recuperar a confiabilidade interna e externa. Em sua visão, restaurado o equilíbrio e sem restrições cambiais, a dolarização da economia perderia o apelo que traz hoje, na desarrumação completa que aflige a população.
Padrinho do novo ministro da Economia, Luís Caputo, que foi presidente do Banco Central em sua gestão, Macri diz acreditar que o cenário pode mudar em três meses, a partir das medidas certas na direção da saúde fiscal. No receituário, a diminuição dos gastos públicos não é medida fácil, encontrando resistência em todo lugar – até por responder a demandas reais. Mas é possível manter o rumo, uma vez que pesquisas indicam ampla aceitação da maioria do povo argentino para o ajuste fiscal. O que seria um importante passo para toda a América do Sul, em caso de experiência favorável, num sinal inclusive para o Brasil, que oscila entre o controle dos gastos desejado pelo ministro Fernando Haddad, e a liberação da gastança preconizada pelo PT e pela base de apoio do governo Lula no Congresso.