NATAL SEM PAZ

Berço religioso no centro da guerra

Na data cercada por significados de fé e esperança, Belém é o retrato do medo em uma região marcada por intolerância e violência

Imagem do autor
Cadastrado por

JC

Publicado em 25/12/2023 às 0:00
Notícia
X

O nascimento de Jesus Cristo eleva a alma humana à divindade, quando Deus encarna, por seu filho, na humanidade. O sentido religioso da comunhão com o Criador ecoa por mais de dois mil anos, nas palavras escritas – modificadas, traduzidas e reinterpretadas – e nas liturgias transmitidas de geração a geração. “O verbo se fez carne”, a fé se materializa em milagres, e a subversão do “reino divino”, o equivalente político a um governo teocrático, leva à posterior perseguição, tortura e morte do novo líder que questiona o poder estabelecido.
A celebração do Natal é um ritual que estimula o costume da congregação. De convite à aproximação, mote para os abraços, encontros de amigos e familiares. Sob a inspiração dos ensinamentos relatados pelos apóstolos – uma vez que Deus encarnado não quis escrever nada, a exemplo de um filósofo grego de alguns anos antes, Sócrates – os cristãos festejam o nascimento do messias como um sinal de esperança, banhado na misericórdia, no perdão e na simplicidade como signos de um novo tempo. Mesmo que esse tempo, vinte séculos depois, pareça cada vez mais distante, na crueza do mundo real no qual o próprio Cristo foi assassinado.
A humanização do Deus menino na manjedoura, cercado por bichos e homenagens – que dão um toque de realeza à divindade – contrasta, em nossa triste época, com os conflitos armados que se escondem atrás da fé para justificar vilanias e brutalidades. Do terror sanguinário e bárbaro do Hamas à insistente defesa destruidora dos judeus, que perderam 1.200 de seu povo e já mataram mais de 20 mil palestinos, além de deixar a Faixa de Gaza em ruínas, a guerra travada nos arredores de Belém afronta as lições que o filho de Deus poderia proporcionar ao futuro que se seguiu. Mas o legado da sabedoria dirigida à paz entre os povos parece definitivamente perdido neste Natal.
No Natal de 2023, o silêncio estrondoso no centro de irradiação religiosa mais conhecido no mundo é o retrato da imperfeição humana. As pessoas andam com medo e mágoa nas ruas da cidade onde muitos se solidarizam com o sofrimento dos palestinos, e outros muitos, com o sofrimento dos israelenses. A decoração é pouca e a celebração, tímida, em relação a anos anteriores, mesmo que não seja a primeira vez que aquela área seja tomada pela desavença. Como serão os Natais daqui em diante? O que restará de divino no berço do cristianismo, quando a poeira das bombas baixar? Haverá paz no próximo Natal?
Ideal seria se o amor ao próximo fosse um dogma, válido para os mais distantes, do outro lado da fronteira. Na data criada para disseminar a alegria e a paz, o nascedouro da fé está triste e em guerra. Como reagiria o Deus em pessoa, caso voltasse lá, no dia de hoje?

Tags

Autor