Concentração de renda no Brasil
Informações relativas ao Imposto de Renda de Pessoa Física do ano passado escancaram disparidades de um país desigual
Para quem mora no Recife, a diferença gritante está do outro lado do rio, em cima dos morros, debaixo das pontes, ao lado dos viadutos, perambula nos semáforos, dorme nas calçadas. Nas comunidades indignas sobre palafitas, de casebres frágeis na vizinhança de bairros nobres. A exclusão, na capital pernambucana, não tem como ser invisível, embora continue não sendo a questão prioritária da gestão pública, ao longo das últimas décadas. Assim como acontece em outras cidades da Região Metropolitana, no interior e em grande parte do território brasileiro, sobretudo nos centros urbanos, e com destaque nas regiões mais pobres, como o Nordeste.
Dados divulgados na semana passada pelo Ministério da Fazenda, extraídos da Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física em 2022, revelam que os 10% mais ricos concentram mais da metade da renda total no Brasil. A concentração detectada é ainda maior do que a registrada pela PNAD, do IBGE, devido à metodologia. Indo além no detalhamento dos números, vê-se que 28% da riqueza pertence a apenas 1% da população. E para completar, a parcela de 6% mais ricos teve alíquota regressiva em 2022, pagando menos do que poderiam ter pago para a redução da desigualdade – já que o imposto de renda é um instrumento clássico de redistribuição da renda. Em conclusão do estudo, anota-se que o IR é um “instrumento limitado” para esse objetivo no país.
Em outra característica de uma sociedade desigual, os dados indicam que os homens respondem por 70% do patrimônio, enquanto as mulheres, por 30%. Mesmo as mulheres sendo a maioria da população, em todas as regiões, a riqueza expressa pelo imposto de renda pertence majoritariamente a eles. O que reforça a necessidade de políticas de gênero para o reequilíbrio econômico e a reconfiguração social de uma nação que continua, em diversos aspectos, machista, com discriminações e menos oportunidades para as mulheres.
Segundo o relatório, os critérios de tributação fazem com que as mulheres paguem uma parcela maior de sua renda, em comparação aos homens. Desse modo, o imposto de renda amplia a desigualdade, também no que diz respeito ao gênero do contribuinte. Ainda se nota a exclusão da participação feminina no mercado de trabalho, sobretudo na região Norte e no Nordeste. As brasileiras recebem salários menores do que os homens – quase um terço a menos. E quanto mais alto o estrato de renda, maior a desigualdade de gênero, ou seja, a desigualdade também é vista no topo da pirâmide social.
O relatório do governo federal pode dar vazão a mudanças no Imposto de Renda de Pessoa Física, a exemplo das isenções fiscais com base nos gêneros. Mas o mais importante é o reflexo mostrado de uma desigualdade na ponta do pagamento tributário, que pede medidas de maior abrangência para inclusão efetiva, com políticas sociais e econômicas privilegiando a maioria mais pobre de uma população extremamente desigual.