ARGENTINA

Choque de realidade econômica

Maior inflação da América Latina com 211% ao ano, país de Javier Milei encara a debilidade da economia à espera de medidas do novo governo

Imagem do autor
Cadastrado por

JC

Publicado em 13/01/2024 às 0:00
Notícia
X

A taxa inflacionária de 25,5% em dezembro deixou um acúmulo na alta de preços em 211% em 2023, fazendo com que a inflação argentina se tornasse a maior dos países latino-americanos, maior até do que a venezuelana. Eis um pedaço da conjuntura complicada no aguardo de medidas concretas e efetivas do novo presidente, Javier Milei, alçado à Casa Rosada como salvador da pátria montado em discurso de redução radical do tamanho do Estado, e envolto em aura de rebeldia contra as instituições – num apelo populista nada surpreendente na terra do tango e de Peron. Até que ponto o presidente eleito irá buscar cumprir as promessas de campanha – cumpri-las é outra história, que não depende de sua exclusiva vontade – ou desprezar as instituições, colocando a democracia contra a parede, o povo argentino ainda está para ver.
A situação da nação vizinha tem sido um exemplo recorrente da degradação econômica gerada na esteira do descontrole das contas públicas, durante anos de discurso fácil e irresponsabilidade fiscal. Por ironia, para reverter o caos enfrentado no cotidiano pela população, Milei e seus aliados, como o ex-presidente Mauricio Macri, terão que começar a sanar o Estado, antes de reformá-lo como se não houvesse enorme passivo nas costas dos argentinos. Os primeiros passos de cortes de gastos, enxugamento da máquina, eliminação de subsídios e preparação para a privatização de estatais, são muito recentes, e foram ofuscados pelo impacto de um pacotaço de revisão ou revogação de 350 normas de uma só vez, de variadas naturezas, em exame pelo Congresso. Pondo a economia em segundo plano, como sempre se fez no país, Milei vai se parecendo, não tão paradoxalmente, com os antecessores que tanto criticou, levando a política e o apelo populista para o foco do governo anunciado como transformador.
Apesar do senso de urgência do decreto enviado ao parlamento, o novo presidente atenuou a radicalização, por exemplo, em relação ao fechamento prometido do Banco Central, que ficou para “mais cedo ou mais tarde”. Milei sabe, ou soube assim que assumiu, que tal mudança não é tão simples, e pode não trazer os efeitos anunciados como certos para a já conturbada economia argentina. O pragmatismo vai ganhando espaço: na quarta, novo acordo com o FMI foi divulgado, com a concessão de 4,7 bilhões de dólares de socorro ao país.
Na próxima semana, Javier Milei terá mais uma oportunidade para procurar soluções, se não se deixar levar pelo fanatismo ideológico. O Fórum Econômico Mundial, em Davos, pode propiciar importantes encontros para o presidente da Argentina. Mas ao invés de continuar no palanque acenando para um futuro improvável de “potência mundial” para o seu povo em 35 anos, deveria focar em estratégias concretas para domar a inflação, recuperar a moeda e fundamentar as condições para um novo ciclo de crescimento, em articulação com a economia global, em especial a sul-americana.

Tags

Autor