ESTADOS UNIDOS

Trump não tem imunidade

Decisão do Tribunal de Apelações que considera o ex-presidente passível de responsabilização em processos fortalece a democracia

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JC

Publicado em 07/02/2024 às 0:00
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Pelo fato de ter sido presidente da República, Donald Trump alegou que estaria fora do alcance das leis, e não poderia ser alvo de processos, como por exemplo em relação à tentativa de invalidação das eleições à Casa Branca em 2020, quando concorreu para ser reconduzido ao cargo e perdeu na disputa para Joe Biden. Em uma decisão simbólica e didática para todas os países democráticos, o Tribunal de Apelações para o Distrito de Columbia rechaçou a alegação, em uma justificativa que aponta para o bom senso: o poder não exime responsabilidade pelo abuso do poder, e por crimes cometidos no poder.
Para os juízes, a solicitação de Trump não é apoiada por precedentes, pela história ou pela Constituição. A imunidade processual foi requerida não apenas para que o novamente candidato à presidência dos Estados Unidos não seja retido em plena campanha pelo que tentou fazer ou pelo que fez durante os anos no posto. Também seria, caso aceita, o aniquilamento de princípios da democracia e do Estado de Direito, uma vez que o ex-presidente expressou desejar que o exercício do poder deve ser visto como poder absoluto, sem submissão a qualquer regra ou limite. Algo que não soa estranho a cidadãos de outros países, inclusive do Brasil, diante de governantes, parlamentares e até juízes que não se pautam pela responsabilidade que carregam, e sim, pelo direito que imaginam ter acima das próprias instituições que representam.
Nas palavras do republicano que lidera as pesquisas para voltar à Casa Branca este ano, o presidente “deve ter imunidade total para fazer o que tem de ser feito para o bem do país”. Tal visão de hipertrofia pertence ao campo do totalitarismo, e não da democracia. Mesmo assim, como indicam as pesquisas para a eleição norte-americana, o discurso do poder que pode tudo e não respeita protocolos, condutas éticas nem leis anteriores, forjando novas leis para fortalecer o próprio poder, ganha cada vez mais simpatizantes em alguns países. Sinal da crise democrática, na qual imensas demandas coletivas não são atendidas por políticos, muitas vezes, despreparados para a função transitória que ocupam, ou mesmo desinteressados em cumpri-la.
Há uma bifurcação na crise. De um lado, o poder que se corrompe e desvirtua para crescer além do alcance da lei representa um risco crescente para a democracia, enquanto se apresenta como renovador, ou restituidor de um passado glorioso. De outro, o fortalecimento da democracia através da depuração das instituições, reafirmando valores de uma ética humanista, pluralista e politicamente liberal, ou seja, tendo a liberdade como essência. No Brasil, nos Estados Unidos, na Argentina, em Portugal, na França ou em qualquer lugar em que o risco de autoritarismo venha a despontar, os defensores da democracia, dentro e fora da política, precisam buscar o apoio da maioria da população, para que as pessoas não sucumbam – como em outros momentos da história – à sedução da violência como alternativa de poder.

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