CULTURA

Fogo nas ruínas do teatro

Comoção na arte depois da omissão da gestão pública: o triste fim de uma casa de espetáculos que marcou a história pernambucana

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JC

Publicado em 09/02/2024 às 0:00
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Se o abandono ao que restava do Teatro Valdemar de Oliveira já insultava a história e a memória da cultura do Estado e do Recife, as imagens da plateia em chamas foram como um ritual de sacrifício para as artes cênicas de Pernambuco. Uma tragédia anunciada e lentamente consumada, em contraste com a rapidez do fogo que deixou as ruínas consumidas. A falta de mobilização do poder público, diante do processo de degradação do espaço, veio sempre justificada ou pela burocracia, ou pelo fato de ser um espaço privado – o que não impede governos de gastarem milhões com grandes estruturas de festas e artistas contratados a peso de ouro, quando convém. A omissão não se deu por escassez de recursos, mas de sensibilidade mesmo, tanto da Prefeitura do Recife, quanto do governo estadual – e neste caso, por pelo menos duas gestões diferentes.
O Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), fundado em 1941, tinha ali a sua sede e casa de grandes lembranças para a população, desde 1971. O talento criativo dos artistas levou emoção ao público, e divertiu gerações sucessivas, embora o TAP tenha atravessado dificuldades por um bom tempo. Consternada e possivelmente em choque com o ocorrido, Cristiana de Oliveira, neta de Valdemar, pediu perdão aos ancestrais, dizendo que fez o que podia para preservar o lugar e sua presença simbólica. No ano passado, ela veio à imprensa denunciar a invasão das dependências do teatro. O vandalismo foi mais rápido do que um protocolar pedido de tombamento que, na prática, não mudava nada, enquanto os saques e a destruição continuavam.
Uma biblioteca inteira, que permanecia no local, foi perdida com o incêndio da última quarta. Livros, textos de peças, revistas e documentos que carregavam parte da história do teatro pernambucano viraram pó. O descuido do poder público com esse acervo é outro capítulo da ausência de zelo pelo patrimônio cultural. Uma lástima que se arrastou por anos de olhos fechados, até culminar na destruição coerente com o esquecimento das autoridades – e de parte da sociedade que também poderia ter feito algo, mas não buscou a família para apoiar e viabilizar iniciativas de recuperação ou resguardo do que havia lá dentro.
O Sindicato de Jornalistas de Pernambuco emitiu nota afirmando ter procurado diversos órgãos, do governo estadual e da Prefeitura do Recife, “e todos se mostraram omissos, indiferentes”, fazendo com que o fogo no teatro seja visto como “um reflexo alarmante da negligência e falta de responsabilidade das autoridades”. Pode ser que em algum momento do futuro, a vergonha pelo passado de desleixo faça o teatro renascer das cinzas. Como renasceu depois do incêndio em 1980, sob a liderança de Reinaldo de Oliveira, falecido no ano passado. Mas para que esse sonho se transforme em realidade, o interesse público terá que ressurgir no palco abandonado, triste, queimado, de agora.

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