Gastos fora do foco da paz
Está cada vez mais caro impor domínios, usar a defesa como justificativa de ataque e matar populações indefesas num planeta minado
Dentre os atuais habitantes da Terra, muitos não conseguem dispor das refeições necessárias para se manterem saudáveis, todos os dias. São os mesmos que carecem de água tratada, coleta de lixo e esgoto, oferta de saúde, educação e moradia compatíveis com os direitos universais da cidadania, propagados há décadas sem que os governos nacionais e locais tenham sido ou sejam capazes de suprir as demandas. Há sempre outras prioridades antes dos excluídos, desprezados, invisíveis seres humanos que se arrastam nas ruas ou se largam em casebres indignos e arriscados. Para tanta coisa não falta dinheiro, que um alienígena em visita rápida por aqui poderia supor não ser financeira a questão da miséria nos países ricos e pobres, ou naqueles em desenvolvimento, como o Brasil, na lista dos mais ricos do mundo com uma nação desigual com a maioria na pobreza. E de fato, não é: as escolhas para os gastos públicos e privados são feitas, em regra, noutras direções.
Segundo o Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), sediado em Londres, a segurança mundial está numa fase “altamente volátil”, ou seja, pode ir para as cucuias rapidamente. Os conflitos e as situações de instabilidade podem permanecer por anos adiante, de acordo com o balanço anual da entidade. De um lado, o uso da força deve aumentar pelos governos autoritários, e de outro, as democracias também elevam os gastos militares, para se defenderem contra as ameaças crescentes. Em 2023, as despesas com armas, balas, mísseis, bombas, aviões, drones e outras tecnologias bélicas aumentaram 9%, globalmente, chegando a 2,2 trilhões de dólares, cerca de R$ 11 trilhões. O valor é maior do que toda a riqueza produzida no Brasil em um ano, por exemplo.
O montante é recorde, mas provavelmente será menor do que o que vem pela frente, a começar dos gastos este ano. O IISS afirma que a China e a Rússia vêm dedicando mais de 30% de seus orçamentos com despesas militares, e isso vem turbinando tensões e elevando asa despesas defensivas de vários países. Na Europa, a guerra na Ucrânia é muito próxima para que os países ignorem o que se prolonga por dois anos, sem horizonte de pausa. No Oriente Médio, com a Faixa de Gaza, o terrorismo do Hamas e outros grupos e a questão palestina em chamas, a chance da paz se afastou do campo visual dos líderes nacionais e suas tropas, ou das populações que sofrem as consequências do fogo que vem do céu.
O foco das riquezas foi desviado, em larga medida, de ações em prol do equilíbrio ambiental e climático planetário e do combate à desigualdade entre os humanos. Os investimentos se voltam para inimigos vizinhos ou distantes, que precisam ser contidos ou mortos, na ótica beligerante. Se na esteira desses gastos milhares de pessoas perdem a vida inocentemente, enquanto isso, bilhões de terráqueos continuam à espera do que vai sobrar de tanto ódio, despejado com o gosto incompreensível da insensatez.