CRIMINALIDADE

Adolescentes aliciados

Sem proteção do poder público nem oportunidades de melhoria de vida, adolescentes são recrutados pelo crime organizado

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JC

Publicado em 03/03/2024 às 0:00
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A confissão de participação no assassinato de uma criança em Itamaracá, por um adolescente, chamou a atenção para uma questão que não se restringe a Pernambuco, sendo encontrada em outras partes do país. Mas aqui o problema ganha dimensão pela vulnerabilidade de uma multidão de jovens expostos a condições indignas de vida, há tantos anos que adolescentes se tornaram pais de outros adolescentes que se tornaram vítimas da mesma sedução cruel: o aliciamento por facções do crime organizado, que enxergam nos menores um exército de fácil recrutamento, diante das privações que enfrentam no dia a dia.
Como escreveu o colunista do JC, Raphael Guerra, a falta de perspectiva de futuro legada pelo abandono do poder público, em um ambiente de alta criminalidade e domínio das comunidades pelos bandidos, é posta ao lado da perspectiva de dinheiro fácil e real mudança de condição de vida, ofertada pelo crime organizado aos adolescentes. Em Itamaracá, a disputa que se trava pelo controle do tráfico de drogas fez com que um rapaz de 17 anos participasse do homicídio de uma criança. O caso, infelizmente, está longe de ser algo isolado: dos 332 adolescentes nas unidades de atendimento socioeducativo em dezembro do ano passado, 86 estavam lá por homicídio, e outros 21, por tentativa de homicídio, além de 48 internados por tráfico de drogas.
Para o cientista social Derick Coelho, em depoimento ao JC, não há espaço desocupado. O espaço vazio é ocupado pelo crime. “Se não é ocupado pelo Estado com políticas públicas de educação, cultura, lazer, trabalho e renda, o crime chega para educar à sua maneira, construir a cultura a partir dos seus símbolos e significados, gerando trabalho e renda, a partir da sua dinâmica”, explica. Para impedir que o crime chegue na juventude, em sua opinião, é preciso garantir saúde, cidadania, liberdade de expressão, profissionalização, trabalho e renda, evitando que a atração pelo tráfico e pela violência seja inevitável.
Podemos adicionar que, nesse aspecto, nas últimas décadas, o poder público em Pernambuco e no Brasil tem falhado escandalosamente – basta ver o resultado lucrativo para os bandidos, e desastroso para as famílias dos jovens, muitos dos quais são mortos pela guerra em que entram. De acordo com números oficiais, quase a metade dos indivíduos assassinados em território pernambucano em 2023 tinha entre 18 e 30 anos. Uma parcela de 5% morreu sem chance de sair da adolescência, entre 12 e 17 anos de idade.
No programa Juntos Pela Segurança, o governo do Estado mapeou os municípios com mais jovens mortos, para conhecer as motivações da violência. O objetivo do diagnóstico é, enfim, criar uma rede de proteção que sustente o horizonte da juventude pernambucana, antes que a criminalidade surja como a melhor alternativa. Uma das medidas anunciadas é a abertura das escolas nos finais de semana, com atividades de lazer, esporte e cultura, fazendo da interação social intensiva um dos antídotos contra a investida sistemática dos criminosos.

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