Migrantes no alvo da política
Num ano eleitoral em várias partes do mundo, o crescimento dos fluxos migratórios é acompanhado de discursos que põem a culpa de tudo em quem chega de fora
Entre as faces mais comuns do radicalismo, está a manifestação de intolerância e raiva em direção a outras pessoas, de origem ou comportamento diferentes. Os escolhidos, mesmo recém-chegados, são designados culpados por males tão variados quanto a violência urbana, a inflação em alta ou o surto de alguma doença. Quando não são apenas vítimas de preconceito mesmo, deixando difícil a tarefa da justificativa do ódio sem sentido que procura neles o desenho inequívoco do bode expiatório. Nas guerras, a justificativa é posta em termos de lados excludentes, e o estrangeiro visto como inimigo pode ser – na lógica da violência – atacado sem dó nem culpa. No mundo atual, o imigrante se torna cada vez mais presente, e cada vez mais visto como uma ameaça que deve ser evitada, impedida, interditada e expulsa.
Para a diretora da agência de migração da Organização das Nações Unidas (ONU), Amy Pope, a civilização está sendo dividida pelo discurso anti-imigração, intensificado neste ano de eleições em grande parte do planeta. A começar do péssimo exemplo, e perspectiva, do candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, que já ocupou a Casa Branca e desponta com chances de voltar, enfrentando o atual presidente, Joe Biden, em anunciada revanche. Trump explora a popularidade do radicalismo xenófobo, reclama da invasão migratória na fronteira sul dos EUA, e ultrapassa o limite da razoabilidade, ao apontar os imigrantes como “não pessoas”, ou seja, indignos de respeito aos direitos humanos. Na prática, o ex-presidente pisa no acelerador da intolerância, transformando imigrantes em inimigos, e querendo fazer da bandeira contra a migração uma guerra.
A desumanização em curso da população migrante não deixa de ser uma boia moral, diante da culpa coletiva por tantos que buscam fugir da calamidade ou das perseguições em sua terra natal, enfrentando riscos enormes na travessia de mares, na Europa, por exemplo. As rotas migratórias significaram a morte de mais de 8 mil pessoas, em 2023. A diretora da ONU lembra que, sem os imigrantes, a maioria dos países teria sérias dificuldades econômicas. Com o envelhecimento dos europeus, o trabalho dos imigrantes torna-se desejável e necessário. A criminalização da migração, nesse contexto, é um contrassenso.
O estabelecimento de rotas seguras e protegidas por lei para os migrantes é uma necessidade urgente, segundo a ONU. Por dois motivos principais. De um lado, o contingente de migrantes deve aumentar nos próximos anos, em decorrência das guerras e das mudanças climáticas. De outro lado, os países se beneficiam dos estrangeiros que chegam para contribuir, buscando um lugar para viver em paz e se estabelecer. Portanto, além de retrógrados e oportunistas, os discursos xenófobos de cunho eleitoreiro servem para canalizar a emoção para o voto, enquanto se distanciam das reais demandas de um mundo globalizado que ainda não aprendeu, contudo, a valorizar o acolhimento para o desenvolvimento coletivo.