Da França para o mundo

Mensagem das urnas retrata um país dividido em visões que precisam se defrontar para governar, sem o ódio e a intolerância dos extremismos

Publicado em 10/07/2024 às 0:00

A ameaça da ascensão da extrema direita gerou uma mobilização política considerável, que incluiu a retirada e concentração de candidaturas, e o chamamento para que os eleitores comparecessem à votação, num país em que a escolha pelo voto não constitui um dever coletivo, mas tão somente um direito individual a ser exercido. Os impasses criados pela multiplicação de demandas têm imposto desafios às nações democráticas, em alguns casos desbastando conquistas que pareciam asseguradas, conferindo mais voz e poder a líderes que traduzem a insatisfação por discurso s de intolerância, promovendo a exclusão, na direção oposta dos direitos humanistas e seus horizontes inclusivos e universais.
O processo democrático contemporâneo é portador de uma crise que apenas na democracia deve ser contemplada e resolvida. O surgimento de radicalismos em várias partes do planeta não se dá por geração espontânea. Mas também não é consequência do esgotamento da missão democrática. É o que se apresenta na França, com o crescimento da extrema direita. Como nenhum grupamento partidário obteve a maioria suficiente para formar um governo, a esquerda deve procurar o centro para construir a maioria – em um movimento semelhante, guardadas as devidas distâncias, ao que se viu no Brasil da últim a eleição presidencial, quando o PT foi atrás do PSDB e do PMDB para barrar, por pouco, a reeleição de Jair Bolsonaro, identificado como do mesmo espectro ideológico de Trump, Milei ou Le Pen.
Na democracia, o pluralismo partidário sugere a alternância de poder para uma constante renovação da representação política. Os radicais – à esquerda e à direita - que desejam solapar a democracia não gostam do pluralismo, muito menos da renovação, e preferem exaltar a democracia quando precisam dela para chegar ao poder. Depois disso, a democracia é um entrave a tentações autoritárias, falaciosamente respaldadas pelo voto. O pluripartidarismo e a divisão da representação, como na Assembleia Nacional, o parlamento francês, requerem a intensificação dos diálogo s para os consensos e a desradicalização em prol de um governo democrático. É o que se espera que seja o percurso na França, e de lá se propague para outros países: mais democracia, menos vertigem totalitária.
O bloco de Marine Le Pen saltou de 89 para 143 cadeiras, enquanto o do presidente Emannoel Macron caiu de 250 para 168 deputados. A Nova Frente Popular (NFP), de esquerda, fez o maior número, subindo de 150 para 182. A divisão em três grupos nítidos, distantes da maioria de 289 de 577 parlamentares, requer um trabalho de coalisão sem o qual nenhum governo será possível. Há resistência em líderes da esquerda, que não querem conversa com o centro. Mas a necessidade deve falar mais alto. Eis a função democrática: promover encontros, debates e entendimentos que permitam a governabilidade, qualificando a democracia para o atendiment o das demandas coletivas em reflexo à representação parlamentar, sem desconsiderar nem pôr em risco as conquistas da liberdade, da igualdade e da fraternidade ao longo dos séculos.

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