Perdão aos partidos

Anistia aos partidos políticos aprovada pelos deputados é um acinte à democracia, em ato que desmoraliza a legislação e ofende os brasileiros

Publicado em 14/07/2024 às 0:00

As cotas de candidaturas de mulheres e negros foram estabelecidas com o objetivo de elevar a proporção de representatividade entre as casas legislativas e a população. Para os partidos que não cumprissem as cotas, seriam cobradas multas, a serem descontadas do fundo partidário a que têm direito. As multas anotadas são dívidas das legendas para com a democracia, uma vez que deixam de cumprir a legislação, sem atender à melhoria da representação política no país. A chamada PEC da Anistia é uma vergonha, que conta com o apoio de parlamentares de agremiações variadas, mostrando que o interesse da causa própria é o maior aglutinador de consensos na Câmara dos Deputados, no Brasil.
Apenas na bancada pernambucana, vinte deputados de onze partidos diferentes, do governo e da oposição, votaram a favor do conveniente perdão, que anula as multas de 2022 para trás. Quatro parlamentares de Pernambuco, de partidos diferentes, foram contra o abuso da confiança da população, e merecem o nome registrado: Mendonça Filho, Coronel Meira, Clodoaldo Magalhães e Túlio Gadelha não se deixaram levar pela tentação da traição à função legislativa, e se recusaram a embarcar numa proposta que eleva tanto o caixa dos partidos quanto a imoralidade no Congresso. Os dois partidos que mais se engalfinham atualmente, o PT de Lula e o PL de Bolsonaro, se uniram para aprovar a medida, com folga: foram 344 votos a favor, e 89 contrários. Somente o Novo e o PSOL foram integralmente contra.
O valor da anistia aos partidos não é baixo: estima-se que pode chegar a R$ 23 bilhões o montante que não será pago, caso a PEC venha a ser aprovada no Senado. As dívidas incluem punições relativas a prestações de contas em campanhas eleitorais. Como escreveu o colunista político do JC, Igor Maciel: “O recado dos deputados é bem claro para a população brasileira: eles criam, eles desrespeitam, eles recriam e se auto perdoam caso necessário”. A legislação em causa própria não é novidade no Congresso, mas o desrespeito flagrante a um mecanismo de aperfeiçoamento democrático torna o caso da anistia partidária um exemplo de desserviço à democracia, com o apoio maciço dos deputados de quase todas as agremiações. A mensagem política da PEC é pior do que seu efeito econômico bilionário. Como afirmou Igor Maciel, o recado é autoritário em sua forma, e excludente no conteúdo, voltando atrás na decisão de alargar a representatividade parlamentar.
Na prática, a anistia pretendida, aprovada pelos deputados em maioria avassaladora, desmonta mecanismos de fiscalização e controle que todo poder republicano deve ter. A democracia brasileira exibe desequilíbrio patente, quando as regras que deveriam valer para controlar um dos poderes da República são desavergonhadamente suprimidas pelo próprio poder. O Legislativo encolhe, se a PEC da Anistia continuar no rumo da aprovação – e estreita o processo democrático, ao conceder a hipertrofia financeira aos partidos.

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