Promessa a futuras gerações
Perspectiva de universalização dos serviços no Brasil chega a 2070, mostrando as dificuldades de investimento em área crucial para a população
Com base no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, o Instituto Trata Brasil atualizou o estudo acerca da realidade nacional na questão. Para variar, as informações são desanimadoras. E evidenciam o quanto a população sofre com uma dívida social histórica, que segue sem a prioridade merecida. Mais de 90 milhões de cidadãos não dispõem de coleta de esgoto no país, enquanto 32 milhões não têm acesso, sequer, à água potável. Segundo o Marco Legal do setor, a universalização deveria ocorrer até 2033 – em cerca de uma década, portanto. Por& eacute;m, pela velocidade atual de investimentos e de obras, o atraso estimado para a meta deve consumir mais 37 anos além do prazo, chegando a 2070. Trata-se, agora, de uma promessa a futuras gerações, que poderão nascer em uma nação mais justa, onde a desigualdade não seja tão gritante.
E a universalização pretendida, no caso da coleta de esgoto, considera a meta de 90% da população, e não 99% como para o abastecimento de água. Mesmo após a aprovação do Marco Legal, a velocidade do avanço no saneamento não se alterou, lançando dificuldades para o alcance da meta estipulada. Faltam investimentos, ou vontade política? Faltam projetos, ou compromisso com o interesse público? Pouco adianta comemorar uma conquista institucional como o Marco Legal, se as consequências rareiam durante anos. Infelizmente, isso é recorrente no Brasil, em diversas áreas, da legislação federal à s municipais, com regulamentações pendentes e objetivos solenemente esquecidos.
De 2018 a 2022, a evolução na cobertura do tratamento de esgoto foi de apenas 6%, passando de 46% a 52%. Na coleta de esgoto, o avanço não chegou a 3%, e no acesso à água potável, mal passou de 1%. No ritmo de lentidão, o abastecimento cruza 2033 com 88% de cobertura, e a coleta e o tratamento de esgoto, com 65%. As metas poderão ser atingidas apenas em 2070, neste passo. Para piorar o cenário, a desigualdade incide fortemente no saneamento: três capitais do Nordeste e cinco da região Norte não chegam a 35% de cobertura no tratamento de esgoto, de acordo com o Trata Brasil, que ressalta a oportunidade das eleições munic ipais que se aproximam para a retomada do debate e a viabilização das ações.
Um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) é justamente garantir a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas as pessoas até 2030 – o marco brasileiro já passa do prazo, e deve atrasar em quatro décadas. Fator de risco para a saúde e de obstáculo ao desenvolvimento social e econômico, o déficit no saneamento persiste grave no Brasil. O horizonte de paralisia descortinado pelo estudo demonstra a urgência para a aceleração concreta dos planos, projetos e obras visando o atendimento ao marco, para que o tema não si ga retornando a cada eleição, nas promessas que são, quase sempre, postergadas pelos fatos, lançadas para o futuro sem definição.