Justiça provisória
Prisões lotadas de condenados sem julgamento: a realidade que nem garante a segurança do lado de fora, nem ressocializa quem está lá dentro
Dados atualizados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que houve pouca mudança na enorme quantidade de presos aguardando sentença, no sistema carcerário nacional, entre 2022 e 2023. A redução foi abaixo de 1%, mantendo em detenção provisória o contingente de cerca de 25%, quase 209 mil, dos 852 mil encarcerados no país. Para piorar, foi registrado crescimento de 2,4% de encarcerados. Ou seja, as celas continuam superlotadas, enquanto a Justiça não dá conta de cumprir com a responsabilidade de definir os processos.
O balanço apresenta problemas conhecidos por todos os lados. Os presídios entupidos servem de incubadoras para o crime organizado, que domina em diversos estados o ambiente penitenciário, sem que a segurança pública seja capaz de ordenar e controlar o sistema. O alto passivo de processos, por sua vez, demonstra o déficit jurídico que amplia a insegurança e a insatisfação, tanto da parte de quem espera do lado de dentro, quanto de quem espera do lado de fora por uma definição legal. A resolução nas instâncias jurídicas pode, em teoria, contribuir para a redução da população carcer&aacut e;ria. Mas mesmo que não seja assim, pelo menos significaria um reflexo mais real do gargalo na infraestrutura prisional, cuja dimensão não atende ao que deveria, nem significa mais tranquilidade para os cidadãos que a bancam com recursos públicos.
Quase 70% da população carcerária no Brasil é composta por indivíduos negros, o que se apresenta como mais um recorte da desigualdade social no país. Em outro recorte dos dados, os estados com maior percentual relativo de presos provisórios se encontram no Nordeste: Sergipe, a Bahia e o Piauí estão no topo da lista. A ressocialização é dificultada pela natureza caótica do sistema, que não favorece o trabalho para quem estiver cumprindo pena. Os números indicam, para alguns especialistas, a ineficiência de um sistema que não recupera, nem garante a segurança pública, uma vez que a violên cia não tem se reduzido, apesar da prática de encarceramento antes do julgamento. Para os que enxergam a ligação entre a crise na segurança pública brasileira e o volume de presos sem julgamento nos presídios, uma alternativa seria a adoção de outras penas, enquanto o processo judicial não é concluído. O problema aí, no entanto, permanece: a lentidão dos processos pode deixar fora das cadeias milhares de criminosos potencialmente perigosos para a vida coletiva.
E a justiça que atrasa gera mais consequências, como a permanência de condenados no ambiente carcerário por uma duração maior do que a prevista em lei. É preciso reformar o sistema, dando melhores condições de trabalho aos juízes, e racionalizando o percurso processual, repleto de desvios no Brasil. O Poder Judiciário é parte da questão da segurança falha, possuindo papel indiscutível para o amadurecimento do sistema prisional e, assim, para a garantia do efetivo cumprimento da justiça, sem improvisos, em todo o território nacional.