O peso da hipertrofia estatal
Enquanto na Venezuela a oposição é presa e sufocada, na Argentina, o governo quer proibir o acesso a informações sobre pessoas e ações públicas
Se o regime chavista de Nicolás Maduro transforma uma eleição em teatro político para se perpetuar no poder, cerceando o direito à livre expressão, sufocando e reprimindo opositores, além de sequestrar a Justiça, em outro país da América do Sul a hipertrofia do Estado surge como ameaça à democracia no continente. O governo de Javier Milei, na Argentina, depois de eleito atacando as instituições, apresenta traços de obscurantismo clássico, pondo em risco a liberdade e os direitos da população. Em ambos os casos, ocupando posições opostas na ideologia tradicional, Maduro e Milei exibem traços totalitários que prejudicam suas nações.
Dezenas de entidades civis argentinas emitiram carta conjunta, solicitando ao governo que revogue um decreto presidencial que, na prática, bane a transparência de informações a respeito de integrantes do governo. Como se a informação não devesse constituir um direito público. O Fórum de Jornalismo Argentino é uma das entidades signatárias do documento, buscando interromper a escalada de Milei que, ao contrário do discurso de campanha, infla o poder estatal, retirando-lhe transparência e estabelecendo obstáculos ao trabalho da imprensa e aos direitos dos cidadãos. A contradição entre a campanha e o exercício do poder é outra característica que une os extremistas.
Para Milei, os "papeis de trabalho" e as deliberações implicadas nos procedimentos governamentais não podem ser conhecidos do público. Uma afronta às bases da liberdade do Estado de Direito, em sua acepção contemporânea. Ao fechar o acesso à informação, o presidente argentino abre a porteira para todo tipo de mau uso dos recursos públicos e de seus trâmites, dando margem às ações sigilosas de quem abusa do poder fora do âmbito do interesse público. Noutras palavras, cerceando a liberdade pública, Milei favorece oportunidades para a corrupção. Nada estranho para quem, como os brasileiros, estão acostumados a ver os desmandos dos corruptos sob a penumbra de governos que preferem restringir o acesso a informações, ao invés de mostrar o que fazem, sem encobrimentos.
Exatamente essa é a percepção das entidades que assinam a carta aberta, alertando que a medida “implica uma séria regressão no tema da interpretação do direito de acesso à informação à luz dos padrões internacionais de direitos e luta contra a corrupção”. Não apenas um passo atrás, podemos emendar, mas um avanço no risco institucional no país vizinho, de certa forma corroborando temores de quem enxerga na figura caricata de Javier Milei um perigo tão grande à democracia quanto o mal consumado na Venezuela. Para um chefe de Estado que nega até o acesso aos dados sobre os gastos como seus cães – negação realizada pela Procuradoria do Tesouro – a ampliação das restrições significa um retrocesso para um continente que já lida, há anos, com o cenário autoritário sob o comando de Nicolás Maduro.