Restaurar o centro político
Balanço das eleições municipais sugere um enfraquecimento dos polos dominantes nos últimos anos – e de seus principais líderes, Lula e Bolsonaro
A contagem final dos votos em todo o país ainda espera o segundo turno das eleições municipais, para a redefinição das forças políticas, típica de uma democracia em plena atividade. Mas o cenário deixado após o primeiro turno já se desenhava desde a campanha, com a distância mantida pelos protagonistas da última disputa presidencial. Lula e Jair Bolsonaro preferiram ficar à margem do envolvimento direto e das múltiplas alianças firmadas pelos partidos em cada uma das mais de 5 mil cidades brasileiras. Enquanto isso, as consequências se preparavam para acontecer, a partir das escolhas da população, configurando uma possível mudança no arranjo de poder na perspectiva nacional – abrindo novos horizontes para as eleições de 2026 e além.
Na apurada análise sobre a campanha para a prefeitura de São Paulo, e suas ressonâncias para o restante do país, o colunista do JC, Igor Maciel, define a participação de Bolsonaro com duas palavras: silêncio e irrelevância. Falta ao ex-presidente, na visão do colunista, capacidade de liderança e articulação, sobrando para o governador Tarcísio de Freitas o papel decisivo para conduzir o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), ao segundo turno, numa votação em que os candidatos de espectro da direita foram ampla maioria sobre os de espectro da esquerda, mais identificados com Lula e o oponente de Nunes, Guilherme Boulos, do PSOL. “Outras lideranças nacionais estão surgindo”, pontuou Igor Maciel, nominando o governador paulista como personagem ascendente.
Em ponto de vista complementar, o filósofo Vladimir Safatle, do PSOL, afirmou em entrevista ao UOL que o resultado eleitoral deste ano é um alerta vermelho para o PT. Para ele, a esquerda no Brasil vem buscando construir frentes amplas – no caso, podemos acrescentar, em direção ao centro – na medida em que a extrema direita dita a pauta e se cacifa para assumir o poder nas próximas eleições presidenciais. Também tomando a capital paulista como retrato do país, Safatle avalia que a esquerda não tem o que dizer para a periferia. Numa ótica que não deixa de ser, em si, extrema, o professor da USP vaticina que “a esquerda morreu” ao se apresentar apenas como defensora das instituições e da democracia.
O que acontece em São Paulo, e se pode enxergar no panorama formado pelo ranking dos partidos nas administrações municipais a partir de 2025, talvez seja mais um retorno ao centro do que uma guinada à extrema direita. O MDB de Nunes vem de raiz de centro-esquerda, e o governador vislumbrado como possível substituto de Bolsonaro como candidato ao Planalto oscila entre o bolsonarismo e a sensatez. Cabe aos líderes de centro – não do Centrão – compreenderem a oportunidade aberta em 2024, credenciando-se para um eleitorado aparentemente cansado dos discursos de ódio de parte a parte, comuns em 2022. A restauração do centro político é uma necessidade para grande parcela dos brasileiros, que não compartilham os mantras ideológicos tão repetidos por polos que perdem sentido – e eleitores.