Direito de acesso aos livros

Pesquisa de avaliação da qualidade da educação infantil no Brasil mostra que o acesso mediado aos livros continua distante da maioria das escolas

Publicado em 30/10/2024 às 0:00

A força da literatura para impulsionar a educação e a formação de cidadãos desde cedo ainda não faz parte do cotidiano dos brasileiros. Um dos maiores gargalos é a insuficiência da mediação de leitura nas escolas, num cenário bem diferente do que se pode verificar, por exemplo, em países europeus, a começar de Portugal, onde o calendário escolar é repleto de visitas de escritores, contadores de histórias e mediadores de leitura. No Brasil, infelizmente, ao invés de um movimento espontâneo em prol da literatura compartilhada entre gerações, e do estímulo à leitura literária no ambiente escolar, os planos que buscam aglutinar as políticas públicas de incentivo ao livro e à leitura esbarram no pouco interesse dos governos em pôr em prática o que a legislação sugere. Enquanto não for obrigatório, a formação pelos livros continuará sem espaço em nossas escolas.
O Itaú Social e a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, em parceria com o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Economia Social da Universidade de São Paulo (Lepes-USP) e o Movimento Bem Maior, realizaram pesquisa sobre a qualidade da educação infantil no país, com dados do segundo semestre de 2021. Quase 20% das unidades de creches e pré-escola mapeadas não contam com acervo de livros. Das que dispõem de livros, apenas 10% concedem acesso livre, e menos da metade (45%) têm atividades de mediação. Um panorama vazio de literatura numa fase crucial para o desenvolvimento humano. Um problema estrutural que se transforma, mais tarde, em dificuldades de aprendizado e baixa capacidade de aproveitamento dos potenciais criativos, críticos e profissionais, de acordo com educadores.
A coordenadora de Educação Infantil do Itaú Social, Juliana Yade, que coordenou o levantamento, afirma que a mediação por um adulto e a liberdade do manuseio dos livros contribuem para o desenvolvimento da imaginação e dos vínculos afetivos. Ou seja, no avesso do direito consagrado em nível global, as crianças brasileiras perdem capacidade imaginativa e sofrem prejuízos emocionais em decorrência do vácuo de livros. A literatura para as infâncias, diz Juliana Yade, deve estar inserida nas práticas pedagógicas, efetivadas “no investimento em formação continuada para apoiar as professoras com a curadoria de livros, e também com a estruturação dos cantinhos de leitura”. Com lugares apropriados para a leitura mediada, a educação entregaria muito mais ao país do que vem entregando até hoje.
O governo federal, através do secretário nacional de formação, do livro e leitura do MinC, Fabiano Piúba, tem buscado acelerar a legislação em debate no Congresso, a fim de fortalecer a compreensão de que os planos, em todos os níveis de governo, precisam estar conectados à educação. Enquanto não for visto como um direito coletivo e um dever do Estado, pelos agentes públicos e pela população, o acesso aos livros seguirá sendo pouco valorizado nas escolas brasileiras.

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