Leitura no país das fake news

Pesquisa Retratos da Leitura estima a perda de 11 milhões de leitores desde 2015, e aponta os desafios para o desenvolvimento nacional

Publicado em 23/11/2024 às 0:00
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No mesmo dia em que a celebração do Prêmio Jabuti, o Oscar da literatura brasileira, aconteceu em São Paulo, a divulgação da sexta edição da pesquisa Retratos da Leitura, algumas horas antes, na mesma cidade, revelou dados impactantes para muito além do mercado editorial. Uma nação que perde leitores é um povo com defasagem de cidadania, e aumento da credulidade para mentiras disseminadas como verdadeiras, nas fake news. Indivíduos que não leem, ou leem pouco, expõem potenciais mal aproveitados, que geram para a coletividade um déficit compartilhado por todos, traduzido em atraso no desenvolvimento e baixa qualidade da educação – no longo prazo, que já experimentamos, atingindo a qualidade da representação política e a consistência das instituições democráticas.
Segundo a pesquisa do Instituto Pró Livro, mais da metade dos entrevistados não leram sequer um trecho de livro nos três meses anteriores. Pela primeira vez, a quantidade de não leitores é superior à de leitores no país. E não se trata apenas de livros de papel: a leitura mencionada engloba o formato digital. E poderia valer qualquer gênero para a resposta, incluindo a Bíblia e livros religiosos. Mas nem isso o brasileiro está lendo. Ao contar quem leu um livro inteiro no período, a Retratos da Leitura encontra uma realidade assustadora: meros 27% da população aparecem nesse conjunto.
Com um número projetado de leitores de 93 milhões de pessoas, a pesquisa detecta uma redução de 6,7 milhões nos últimos quatro anos, desde a última edição. Somado aos mais de 4 milhões que já se tinha perdido em relação à pesquisa anterior, de 2015, o total de leitores a menos chega a 11 milhões, em menos de uma década. O que explica essa queda como tendência? “Se há diversas causas que podem explicar o aumento ou a queda do número de leitores e leitoras no Brasil, uma delas se destaca, seja pela ausência, seja pela ação deliberada em destruir os caminhos que formam leitores e leitoras. E essa causa intitula-se Políticas Públicas de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas”, avalia o consultor José Castilho, em artigo para o Livronews, que pode ser lido no site www.livronews.com.br.
Entre os dados preocupantes da pesquisa, Castilho ressalta a perda acentuada de interesse pela leitura nos alunos do Fundamental I, e o decréscimo de leitores em todas as regiões do país. “Se o direito à leitura é a chave de todos os outros direitos, é preciso dizer que um povo que lê com proficiência tem melhores instrumentos para resistir à servidão e aos muitos discursos de engano do mundo contemporâneo. Trata-se de questão crucial para um país que se pretende democrático”, alerta. De fato, o aperfeiçoamento institucional de leis e planos para ampliar e qualificar o acesso ao livro, à leitura e às bibliotecas, que vem sendo conquistado em diversos níveis de governo nos últimos anos, precisa ser a base para uma tomada de consciência política e cidadã: a urgência da priorização da leitura, integrada à educação, para a construção de um Brasil menos injusto e desigual.

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