A celebração da fé
No dia em que a festa do Morro da Conceição comemora 120 anos, a força da esperança se renova após a reconstrução material do templo
No alto do Morro mais querido dos recifenses, o dia 8 de dezembro, este ano, tem significado de dupla restauração. A primeira, bem conhecida dos frequentadores do Santuário dedicado à Nossa Senhora do Conceição, é a da peregrinação tradicional de promessas deixadas ou agradecidas pelo cumprimento do pedido levado pela fé. E a segunda, uma restauração concreta, que traduz de certa maneira a ligação da matéria com a dimensão que move a fé: a nova coberta do templo foi entregue em novembro, depois de deixar duas vítimas fatais e dezenas de feridas, na tragédia do desabamento, em agosto. Numa data especial, em que a celebração alcança 120 anos atraindo gente de todo o estado e de outras partes do país, a renovação da homenagem se dá, ao mesmo tempo, entre os devotos e no lugar construído para abrigar a demonstração coletiva de fé.
A devoção a Nossa Senhora da Conceição evidencia a tradição religiosa na capital pernambucana, mostrando como a experiência de quem crê se reveste da capacidade de convivência e comunhão, através da observação da essência que vem de antigos ensinamentos, e de uma atávica ligação do humano com o metafísico. A fé que aproxima e congrega, sem intolerância ou preconceito, é a tradução de um amor materno sem limite ou definição. A fé que sobe o morro e, lá do alto, divisa a fraternidade e a esperança, se desdobra em lágrimas e sorrisos, abraços e a introspecção que é o oposto do isolamento: na manifestação da crença no divino, não há espaço para a segregação, se a compreensão que une as religiões servir para unir a comunidade humana.
Os valores praticados em honra a Nossa Senhora transcendem o sentido religioso, ao tocarem no vínculo da humanidade consigo mesma. No Recife ou em Paris, onde a Catedral de Notre-Dame foi reaberta, cinco anos depois de um incêndio, com a presença de líderes mundiais como o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e o presidente eleito dos EUA, Donald Trump. O Papa Francisco aproveitou a ocasião para mencionar a necessidade da renovação da Igreja na França. E o que disse em relação à Notre-Dame vale para o Santuário do Morro da Conceição: a visitação da “imensa multidão de pessoas de todas as esferas da vida, origens, religiões, idiomas e culturas, muitas delas em busca de significado absoluto e propósito para suas vidas” marca o propósito da fé, em uma busca que irmana os indivíduos.
Vale recordar o laço entre o Recife e França: foi da terra de Notre-Dame que veio o navio com o monumento de 3,5 metros de altura e peso de 2 toneladas, de Nossa Senhora, inaugurado em 8 de dezembro de 1904, pelo então bispo de Olinda, dom Luiz Raymundo da Silva Britto. Sete décadas mais tarde, o então arcebispo de Olinda e Recife, dom Hélder Câmara, criou a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição do Morro, que se tornou Santuário Arquidiocesano em 2015, por determinação de dom Fernando Saburido.