Aos ladrões da saúde e da educação
Desvios de recursos que iriam para destinos sociais imprescindíveis poderão ser punidos com mais rigor, segundo projeto aprovado no Senado
Num dos piores momentos da história da humanidade, a recente pandemia de Covid, os brasileiros tiveram que testemunhar o horror de uma doença mortal, ao lado de um asco de repugnância, infelizmente, sem surpresa: os larápios do dinheiro público, sem vocação para o serviço coletivo e investidos na ganância do proveito a qualquer custo, estavam se aproveitando da calamidade para desviar recursos emergenciais da saúde da população, enchendo os bolsos de sangue e sofrimento, sem vergonha ou escrúpulos. A excepcionalidade pandêmica foi um marco da desfaçatez de políticos e servidores que fazem, desde sempre, a corrupção como característica negativa essencial – alguns dizem fundadora – do Brasil.
Mas um dos traços positivos desta terra assaltada há séculos é a confiança de que tudo pode melhorar. O otimismo se apresenta, vez por outra, na esperança depositada em líderes que não se cansam de repetir promessas, para um povo que não se cansa de acreditar. E na mudança promovida antes no papel, para que a realidade a abrace, efetuando transformações de ordem econômica, social ou cultural. Mesmo que não sejamos todos otimistas convictos, tendemos a ser otimistas induzidos por boas intenções, especialmente quando expressas na letra de restaurada lei.
No país da desigualdade, a corrupção se alimenta, dentre outras rações, da impunidade. Que também se veste como lentidão da justiça, em processos freados até a prescrição – porque no Brasil o roubo da coisa pública prescreve, e os criminosos, redimidos, comemoram na praça junto a felizes seguidores roubados. Por isso é com otimismo alentador que a população brasileira não adepta da ladroagem prescrita e repetida, recebe a notícia de aprovação, no Senado, de penas maiores para os assaltantes que desviam recursos públicos de programas e ações da saúde – como na pandemia, mas não só – e da educação.
Aprovado por unanimidade – que bom! – na Comissão de Constituição e Justiça pelos senadores, o projeto de lei 1.038 de 2024 altera o Código Penal incluindo o “peculato qualificado” para desvios nas áreas de saúde, educação e seguridade social, com penas de 4 a 16 anos de prisão. Hoje essa duração é de 2 a 12 anos de reclusão para crimes de peculato. Se não houver recurso em sentido contrário, o projeto seguirá para votação na Câmara dos Deputados, sem necessidade de ir ao plenário do Senado. Pelo texto, a mesma pena será aplicável aos casos de crimes de responsabilidade para prefeitos e vereadores. O maior rigor na punição é justificado pelos senadores e senadoras pelo fato de o crime envolver descaso e falta de empatia com a parcela mais carente da população, em expressões utilizadas pela relatora do projeto, a Professora Dorinha Seabra.
A iniciativa do Senado precisa do respaldo da Câmara para fortalecer o otimismo dos cidadãos, e fechar o cerco, pelo menos desestimular os corruptos que se enxergam impunes, até quando flagrados em seus atos.