Editorial JC: O poder dos representantes
Eleição dos novos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados foi um exemplo da ascensão do Parlamento no Brasil – pela força do orçamento

A cartilha da Constituição estabelece diretrizes e responsabilidade para a atuação de cada um dos Três Poderes sobre os quais se estabelece e funciona a democracia, no Brasil e noutros países que adotam a repartição típica da República. Em síntese sumaríssima, cabe ao Executivo governar – executar –, ao Legislativo, debater e alterar as leis – legislar –, e ao Judiciário, aplicar e orientar os conflitos de sua aplicação – julgar. Para que cumpram as funções constitucionais, cada poder depende de mecanismos institucionais e estruturais, dispostos através de organogramas, recursos humanos, materiais e financeiros.
O processo democrático, para se manter girando, custa caro ao povo que elege os políticos e paga os salários e as despesas das cortes, das equipes de governo e das casas legislativas, de Brasília ao menor município do país.
Numa República democrática – parece pleonasmo, mas não é – o diálogo entre os poderes é fundamental para o amadurecimento da democracia, e dos próprios atores institucionais que vão se sucedendo na tarefa constitucional básica, que não é legitimar o poder exercido pelos representantes momentâneos do poder, mas traduzir o trabalho das instituições, definido pela Constituição, em benefício coletivo, de modo inclusivo, com transparência e responsabilidade.
O bem comum é o que respalda a disposição constitucional, e deve estar contido em suas mudanças, ao longo dos anos, na direção da coletividade, e não de privilégios, discriminações ou preferências dirigidas por interesses individuais ou partidários. Quando esses interesses dominam as instituições, a República se afasta dos pilares democráticos e flerta com autoritarismos e obscurantismos de qualquer matiz, à esquerda ou à direita da flexível régua ideológica.
A celebração do poder parlamentar que se debruça cada vez mais por maiores fatias do orçamento federal, e em boa parte sem precisar prestar contas nem revelar os destinos dos recursos, ou mesmo seus beneficiários políticos, ganhou relevo com as eleições dos novos presidentes do Senado e da Câmara, no Congresso. Com respaldo do governo Lula, e apoio de partidos da situação e da oposição, do PT aos bolsonaristas, Davi Alcolumbre e Hugo Motta representam, mais do que o povo brasileiro, a ascensão do conjunto de partidos chamado de “centrão”. Sua característica principal é menos o equilíbrio entre polos radicais, do que a plasticidade pragmática que dispõe de uma maioria aderente a qualquer um dos polos, a qualquer momento, em qualquer governo.
O atributo democrático vai sendo reduzido pelo argumento orçamentário, no que se reduz a capacidade de realização planejada do Executivo, bem como da fiscalização do Judiciário, se a destinação dos recursos manejados por senadores e deputados for intocável. O mais preocupante, além da corrosão institucional, é a replicação do modelo nos estados e municípios.
A baixa representatividade de uma nação complexa e diversa como a brasileira, uma vez multiplicada em todos os níveis de poder, vai minando a democracia e preparando o terreno para aventuras autoritárias – já que os representantes do povo, em sua pluralidade, perdem espaço para a verba legislativa.
Confira a charge do JC desta terça-feira (4)