Editorial JC: Sem esgoto, sem saúde
De acordo com o Instituto Trata Brasil, falta de esgoto causou 344 mil internações no país, ano passado, sobrecarregando o atendimento do SUS

Sem a universalização do acesso à água tratada e à coleta e tratamento de esgoto, a saúde dos brasileiros continua comprometida. Mortes e internações que poderiam ser evitadas pela simples existência do saneamento adequado, lotam a rede de atendimento do SUS, provocando sofrimento e transtornos à população, há muitos anos.
Novos números do Instituto Trata Brasil atualizam essa tragédia nacional. O relatório utiliza dados oficiais do governo federal e ratifica: o atraso no cumprimento do direito humano elementar é uma afronta que perdura, rebaixando a cidadania e atravancando o desenvolvimento, entra governo, sai governo, em todos os estados.
Quase dois terços das internações por doenças relacionadas à falta de saneamento foram de pessoas pardas e pretas, em 2024. A desigualdade de gênero e a desigualdade socioeconômica, como de praxe, marcam o problema recorrente que liga o esgoto inexistente à saúde precária em território brasileiro. Falta interesse ou investimento na solução da questão? Por que não se adotam alternativas mais baratas, como as estações de tratamento de menor porte, compactas e eficientes, ao invés dos projetos lentos e caros que jamais são implantados? Parece faltar também decisão política para se buscar a universalização dos serviços em escala econômica compatível com sua viabilização.
Num país do tamanho do nosso, há casos mais graves que outros. No Maranhão, a incidência de internações por doenças decorrentes da falta de saneamento chega a 45 para cada 10 mil habitantes, o dobro da taxa em Minas Gerais, que já é considerada alta, de 22 internações por 10 mil habitantes. Na lista de enfermidades provocadas por essa situação, estão a diarreia, a hepatite, a malária, a leptospirose e a dengue.
A estimativa do Trata Brasil é que o saneamento básico implementado reduziria drasticamente as internações, em até 70%, em um período de até três anos. Os milhões de reais necessários para cuidar dos pacientes nos hospitais por tal motivo poderiam ser revertidos para melhorias no atendimento e na infraestrutura do SUS.
A maior parte das doenças foi transmitida por insetos, sobretudo o mosquito da dengue, o Aedes aegypti. A taxa de mortalidade relativa às doenças do déficit de saneamento vem aumentando desde 2008, com apenas pouco mais de mil cidades verificando a redução da mortalidade. É um desempenho decepcionante para vários anos de tantas promessas, por governos populistas no Planalto, por exemplo.
Os estados, por sua vez, em sua maioria, não conseguiram destravar os processos de investimentos para avançar no assunto. Enquanto isso, a população sofre, sobretudo a parcela mais pobre, mais exposta aos mosquitos e às formas de contaminação que levam a outras enfermidades que podem matar e levar as pessoas a passar maus bocados num leito hospitalar.
Um dado cruel é que as crianças até 4 anos de idade e os idosos compõem o público mais atingido. Estamos tolhendo o futuro, e desrespeitando o passado que nos traz aqui.
Confira a charge do JC desta quinta-feira (20)
