RELATO

Os primeiros dias de um médico recém-formado na linha de frente contra o coronavírus

Estar no front da batalha contra o novo coronavírus é desafiador para os médicos veteranos e mais ainda para os profissionais que acabaram de sair da faculdade. Mas a vontade de ajudar a salvar vidas supera a pouca experiência

Amanda Azevedo
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Amanda Azevedo
Publicado em 06/05/2020 às 18:37 | Atualizado em 06/05/2020 às 21:06
ARQUIVO PESSOAL
Recém-formada, Cecília Leal começou a atender pacientes com suspeita da covid-19 em abril - FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Emergências lotadas, ambulâncias chegando a todo momento e muitos pacientes com quadros graves que evoluem rapidamente. Estar na linha de frente contra o novo coronavírus é desafiador para os médicos veteranos e mais ainda para os profissionais que acabaram de sair da faculdade, mas a vontade de ajudar a salvar vidas supera a pouca experiência. Para entender como os recém-formados estão lidando com situação, o JC ouviu a médica Cecília Leal, que concluiu o curso na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em dezembro de 2019, e entrou no front do combate à covid-19 no início de abril.

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“É uma realidade que não tem para onde fugir, sabe? Desde os postos de atenção básica e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) ao nível terciário, como o hospital em que eu trabalho, todos têm que se adaptar à realidade de atender os casos da covid-19. Antes de chegar em um grande hospital, esse paciente foi atendido em uma UPA ou em um posto de saúde. Os recém-formados estão em todos eles”, diz.

Cecília foi para a área que atende pacientes com suspeita do coronavírus levantadas no Hospital Miguel Arraes (HMA), em Paulista, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Como a unidade de saúde não integra a rede de referência no tratamento da doença no Estado, assim que os casos são confirmados, a transferência do paciente é realizada.

“Eu chego e vou direto para essa área. Lá é completamente isolado dos outros setores do hospital. A gente se paramenta e entra para ficar com os pacientes. Só tiramos os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para almoçar, trocamos, e voltamos. São plantões pesados porque os pacientes graves evoluem de modo desfavorável rapidamente. Na assistência, a participação de todo mundo: enfermeiro, técnico de enfermagem, fisioterapeuta, médico e equipe de limpeza, é essencial”, explica.

Os primeiros dias na linha de frente

Dos primeiros dias na linha de frente do combate ao coronavírus, Cecília lembra que o medo diante do cenário desafiador foi a sensação mais forte, mesmo com todo apoio dado pelos médicos veteranos. “Foi um misto de ansiedade e medo. Medo do inesperado, medo de se contaminar, às vezes uma sensação de mãos atadas ao ver a evolução grave apesar dos esforços, medo de perder os pacientes…”

“A gente tem muito apoio. Descobrimos o verdadeiro significado de um trabalho em equipe. Todos se ajudam muito e vemos uma grande união na hora de qualquer procedimento. Realmente, temos muita assistência dos mais experientes, mas é um desafio diante do desconhecido, tem uma dose de medo e incerteza”, acrescenta.

Para proteger os parentes, a jovem médica preferiu mudar de casa e passou a morar sozinha. “Pelo medo da possibilidade de contaminar minha família, me mudei. Estou longe dos meus pais e da minha irmã, ou seja, a vida do recém-formado virou de pernas para o ar, e sem perspectivas de volta à normalidade”, afirma.

A emoção de salvar vidas e a dor de perder pacientes

Na rotina de atendimentos, a médica diz ter acompanhado mais pessoas sendo entubadas do que saindo do equipamento, por isso a dor da perda de um paciente de uma maneira muito rápida se sobrepõe. Mas a satisfação de ver um paciente recuperado, é imensa.

“A emoção de salvar uma vida é enorme, porém, por ser uma doença muito grave, às vezes, a dor de perder um paciente de uma maneira muito rápida é mais forte do que a satisfação da cura. Há dez dias, todo mundo chegava e era entubado, não peguei a fase das pessoas saindo, mas é um prazer imensurável ajudar, aliviar o sofrimento de uma pessoa que não está conseguindo respirar, por mais que a gente tenha que fazer dormir, botar na máquina, sabemos que estamos promovendo a melhora e lutando pela vida dela”, diz.

Suspeita de coronavírus e afastamento

Depois de aproximadamente três semanas de trabalho, no dia 25 de abril, Cecília precisou afastar-se por ter começado a sentir sintomas da covid-19. Nesta quarta-feira (6), ela já não sentia mais nada, mas aguardava o resultado do teste para ter a certeza de quando voltará a trabalhar. Desta vez, em um dos hospitais de campanha do Recife.

“Estou sofrendo por estar sem trabalhar. Claro que não posso neste momento, mas me sinto de mãos atadas. A gente quer cuidar, quer estar junto”, finaliza.

 

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