Nossa Senhora do Carmo é símbolo de esperança para devotos recifenses em tempos de pandemia

A fé que a intercessão de Nossa Senhora do Carmo é capaz de proporcionar dias melhores para a humanidade foi o que motivou fiéis a se locomoverem até a Basílica do Carmo, no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife, nesta quinta-feira (16), dia da co-padroeira da capital pernambucana, que reina junto a Santo Antônio. Entronada sobre o pátio, pela primeira vez em 324 anos a imagem da mãe de Jesus Cristo não caminhou pelas ruas do Recife com destino a Igreja do Carmo em Olinda, devido a pandemia da covid-19. A emergência sanitária também causou a diminuição de 100 para 55 liturgias no mês de julho e a redução de pessoas no templo, que teve capacidade reduzida para 30% do total, sendo permitida a entrada de apenas 120 pessoas.

As restrições, no entanto, não foram empecilhos para quem encontrou motivos para agradecer. É o caso do terceiro carmelita Tales Augusto Lima, de 38 anos, que deposita suas esperanças no amparo que é dado pela Santa às dores da humanidade. "A gente está sujeito a tudo que tem nesse mundo, doença, sofrimento e violência. Não é porque a gente tem fé em Deus que a gente está livre. Descobri que Nossa Senhora vem em socorro da gente no meio dessa confusão toda, ela vem nos auxiliar do melhor jeito possível", contou. Assistente financeiro da Paróquia há quatro anos, Tales revela que havia o temor na comunidade católica de não haver festa, mas que a preocupação principal da Igreja deve ser com a saúde dos fiéis. "Sei que é triste não ter [procissão], mas Nossa Senhora entende a posição da Igreja de proteger ao máximo os fiéis".

Neste ano, a celebração à Virgem Maria, declarada como Padroeira Secundária do Recife em 1909, teve o tema "Senhora do Carmo, saúde dos enfermos" e o lema "Oh! Mãe, cuida deste povo que é teu!". A 324ª edição da Festa do Carmo contou com cinco missas. As primeiras foram às 5h e 7h. Em seguida, às 9h, houve a Missa Solene, presidida pelo arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido. As demais foram celebradas às 12h e às 15h. A entrada era por ordem de chegada.

Mesmo do lado de fora, não havia quem passasse próximo à Basílica e não sentisse a áurea de devoção que inundava o lugar. De idosos a crianças, dezenas de pessoas observavam de longe a imagem da Santa sob o manto sagrado. Desde o início da manhã, filas eram formadas por fiéis que tentavam conseguir um lugar na missa. "Hoje não sei se vou conseguir entrar, porque a fila está imensa", disse Rosinete Melo, de 61 anos, enquanto olhava emocionada a imagem da Virgem. A dona de casa afirma que foi agradecer à Nossa Senhora pelas graças alcançadas e pedir pela "cura da pandemia". "O que me traz é muita fé, confiança e graças alcançadas. Só [tenho a] agradecer porque tudo que peço, alcanço. Vim a semana inteira, hoje não podia deixar de vir", diz.

A aposentada Maria do Carmo da Silva, de 70 anos, divide o dia 16 de julho entre a comemoração do próprio aniversário e a homenagem para a padroeira do Recife. Para evitar aglomerações, este ano ela não teve festa, mas não deixou de ir até Maria. Sentada, aguardando a missa das 12h, ela explicou que tem labirintite, pressão alta e diabetes, mas que não podia perder a celebração. "Não perco, é um compromisso que eu tenho. Minha mãe sempre pedia que, mesmo ela morresse, eu viesse pelo o menos para a procissão. Como esse ano não teve, eu vim para a missa das 12h".

Para evitar a propagação do novo coronavírus, o ambiente foi equipado com pia para lavagem das mãos e foram distribuídos kits de higiene, álcool em gel, máscaras e materiais educativos. No começo das missas, eram repassadas orientações sobre a necessidade do distanciamento social e do uso de máscaras — permitidas a serem retiradas apenas para receber a hóstia. Na área externa da igreja, havia uma Estação Itinerante de Orientação sobre a Covid-19, montada pela Prefeitura do Recife. Assim, profissionais de saúde reforçaram a importância de respeitar as medidas restritivas e tiraram dúvidas sobre a doença.

"2020 vai marcar história"

Na Missa Solene, o silêncio dos fiéis era quase absoluto. Os religiosos se concentravam para absorver a mensagem de Dom Fernando Saburido. "Foi uma experiência diferente, o ano de 2020 vai marcar a história porque pela primeira vez não acontece a procissão e a missa aconteceu com número limitado de pessoas. Mas esta é a realidade, temos que nos adaptar ao novo normal e interceder a Nossa Senhora para que ela nos dê graça para que essa pandemia passe e tudo volte à normalidade", afirmou o arcebispo de Olinda e Recife, que, apesar da redução de público na solenidade, disse que estava "contente por ser possível estar com uma representação do povo de Deus".

Durante as rezas, um coral de vozes se juntavam em uníssono, mãos seguravam os escapulários e terços e olhos marejados apontavam para o alto. O funcionário público Aldo Araújo, 39 anos, conseguiu assistir à Missa e mantém as esperanças de que, em 2021, a comemoração volte a atrair uma multidão de pessoas. "Dá saudosismo de ver essa igreja lotada, porque a fé do povo é demonstrada através do choro, da emoção, do seu olhar contemplando a imagem de nossa Senhora do Carmo. No ano que vem tenho certeza que a festa vai ser muito maior". "A fé, o amor do povo e a devoção permanecem os mesmos. O que muda é que dá um ar de tristeza pela situação que está acontecendo, principalmente pelas pessoas idosas que tradicionalmente vêm para a festa do Carmo e infelizmente este ano não puderam participar", completou.

Autoridades como o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), o prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), e o secretário de Saúde do Recife, Jailson Correia, acompanhados de suas respectivas esposas, estiveram presentes na Missa Solene. O gestor municipal relacionou a possibilidade da realização da Festa do Carmo com o cumprimento do isolamento social. "Pelos recifenses terem feito o isolamento social tão importante, a gente hoje está podendo começar a reabrir as atividades. É uma festa diferente, mas todos nós recebemos a graça de Nossa Senhora do Carmo de podermos estar aqui, porque se a festa acontecesse há dois meses, teria que ser só virtual. A celebração da fé está reinando e a gente está muito feliz dessa festa poder estar acontecendo".

Já Paulo Câmara afirmou que pediu para que Nossa Senhora olhe por Pernambuco e que ajude o Estado em meio a pandemia. "É [em] um momento diferente que estamos comemorando hoje o dia de Nossa Senhora do Carmo. Mas, com muita fé, a gente sabe que o momento exige isso, [além de] trabalho, determinação, e acreditando que é possível vencer, superar e ter condições de voltar à normalidade no futuro. Tem que sempre vir agradecer e, ao mesmo tempo, pedir que Nossa Senhora venha olhar por Pernambuco e todos nós, para que possamos superar essa pandemia."