São cinco meses de uma rotina exaustiva. Desde março, quando as aulas e a maioria dos trabalhos presenciais foram suspensos devido à pandemia do novo coronavírus (covid-19), as demandas de mulheres que são mães aumentaram exponencialmente. O trabalho remoto, somado às tarefas domésticas e aos cuidados com os filhos em tempo integral têm causado sobrecarga e as consequências já são sentidas na saúde mental e emocional das mães.
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Gleyce Regina da Silva, 29, é mãe de quatro filhos, com idades entre três e 10 anos. Dois deles, o mais velho e o mais novo, vivem com ela e o marido no Jardim Jordão, na Zona Sul da capital. Antes da pandemia chegar ao Estado, ela trabalhava como designer de sobrancelhas, mas a atividade, que exige proximidade, precisou ser suspensa para evitar a disseminação da doença. Gleyce, então, precisou se reinventar. Sem conseguir acesso ao auxílio emergencial, ela aprendeu a confeccionar laços decorativos para vender e poder garantir o sustento da casa.
Agora, Gleyce se divide entre o novo emprego, as tarefas da casa e a atenção aos filhos. Juan, de três anos, estuda em uma escola particular e está tendo aulas remotas. Já Gabriel, de 10, é aluno da rede pública e está sem aulas. “É difícil, porque preciso olhar eles, ensinar as tarefas, cuidar e fazer todo o resto sozinha, porque meu marido trabalha. É bem cansativo o dia com eles em casa”, desabafa. Tudo isso ainda se soma a preocupação financeira. “O mais complicado, para mim, foi arrumar uma maneira de ter renda. As coisas ficaram muito difíceis. Isso acaba afetando o psicológico. Fico muito estressada”, conta.
A situação de Gleyce não é isolada. A questão financeira tem sido a preocupação de grande parte das mulheres, principalmente daquelas que são mães solo e criam os filhos sem uma rede de apoio. “Muitas mães me procuram, falando que estão passando por problemas financeiros. Várias delas tinham algum trabalho informal e tiveram que parar devido ao coronavírus. O auxílio emergencial também não chegou para uma grande parte dessas mulheres, o que dificultou ainda mais a situação”, conta Marli Silva, presidente da Associação Pernambucana de Mães Solteiras (Apemas).
A preocupação e a sobrecarga trazidas pela nova realidade já tem mostrado efeitos na saúde mental das mães. De acordo com uma pesquisa realizada pela Catho com 7 mil mulheres, 60% das mães sentiram os impactos emocionais do isolamento social. Do total de entrevistadas, 79% relataram sentir sintomas de ansiedade. Entre os sinais mais frequentes estão estresse (49,5%), cansaço mental (48%), desmotivação (44,5%), perda de sono (44,5%), tristeza (43%), solidão (17,5%) e depressão (14%).
O levantamento mostra ainda que 42,5% das mulheres têm dificuldade em conciliar isolamento social e saúde mental, 40,5% acham difícil conciliar trabalho, tarefas domésticas e filhos e 23% reclamam de falta de concentração para as atividades profissionais. Psicóloga e professora da Universidade Tiradentes (Unit), Giedra Hollanda afirma que a procura clínica aumentou. “As mães tem relatado um cansaço que não é só físico, mas mental e emocional. Já ouvi algumas se queixando que se sentem sugadas. Especialistas apontam que a próxima pandemia será de transtornos mentais e eu arrisco dizer que o público feminino será muito mais atingido”, projeta.
Segundo a especialista, o estresse pode ser diminuído com algumas práticas, como exercícios físicos. “Isso ajuda na regulação hormonal. Quando a pessoa está ansiosa, está encharcada de adrenalina e noradrenalina. Quando alguma atividade física é realizada, esses níveis abaixam e a dopamina e serotonina, responsáveis pelo relaxamento e prazer, são liberados. Além do exercício, outra dica é buscar atividades de meditação e mindfullness. A internet está cheia de tutoriais e profissionais que estão atendendo online”, sugere.
A falta da rotina de exercícios foi o fator mais estressante da nova rotina da oficial de Justiça Deborah Hulak, 52. “Não poder estar praticando minhas atividades físicas foi a coisa que mais me incomodou. Aos poucos, consegui continuar me exercitando dentro de casa, com limitações, utilizando o espaço que temos, como a varanda do apartamento”. Deborah, que tem uma filha de 28 anos, vive sozinha com Sophia, a filha mais nova, de nove anos, nas Graças, Zona Norte do Recife. Para ela, além dos desafios, a pandemia também trouxe uma proximidade maior com a filha. “Também teve o seu lado bom. Nossa rotina, que sempre é muito intensa, não permite que a gente tenha esse tempo todo de convívio. Eu acho que favoreceu a nossa relação. Estamos muito mais próximas”, pontua.
Entrevista
Giedra Hollanda é psicóloga clínica, mestre em Educação e especialista em Infância e Adolescência. Em entrevista ao JC ela falou sobre a dinâmica familiar durante a quarentena e a sobrecarga de mulheres que são mães.
Jornal do Commercio – As demandas psicológicas de mulheres que são mães durante este período de quarentena aumentaram?
Giedra Hollanda - A demanda é gigantesca. As mães tem relatado um cansaço que não é só físico, mas mental e emocional. Também sou mãe e, quando a gente fica em casa, as demandas aumentam infinitamente para que nós, mulheres, possamos dar conta do trabalho, dos afazeres domésticos e dos filhos. Especialistas apontam que a próxima pandemia será de transtornos mentais e eu arrisco dizer que o público feminino será muito mais atingido.
JC – O que mais tem sido motivo de apreensão entre as mães?
Giedra – Um fator extremamente ansiogênico são as aulas online. Além todas as demandas, as mães precisam dedicar tempo a crianças e adolescentes nas tarefas da escola. Muitas também reclamam da falta de individualidade, de espaço para que possam se cuidar. Já ouvi mães se queixando que se sentiam sugadas.
JC – Quais sintomas as mulheres têm apresentado?
Giedra – Os relatos mais comuns são insônia ou excesso de sono, distúrbios de alimentação (tanto comer mais ou menos), aumento de fobias, como Síndrome do Pânico. Várias falam em ansiedade, falta de ar, sensação de sufocamento. É uma gama grande de aspectos físicos e mentais.
JC- Quando é a hora de buscar ajuda?
Giedra – Quando chega no nível em que a pessoa começa a ter crises frequentes e não consegue dar conta da rotina básica. Eu digo sempre que o limite da normalidade é quando se perde a capacidade de gerir a própria rotina.
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