MEIO AMBIENTE

Incêndios frequentes atingem Porto de Galinhas, que ainda não conta com brigada

ONG Salve Maracaípe denuncia vídeo de foco de incêndio em áreas de restingas na praia de Porto de Galinhas

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 05/10/2020 às 9:18 | Atualizado em 05/10/2020 às 10:10
REPRODUÇÃO/SALVE MARACAÍPE
Em entrevista, um guarda municipal que preferiu não se identificar afirmou apagar, algumas vezes, entre dois e três incêndios por dia em Porto de Galinhas, e que a prática é comum no verão - FOTO: REPRODUÇÃO/SALVE MARACAÍPE

Além das mortes provocadas pela pandemia da covid-19, o Brasil também alcançou em 2020 tristes marcos na área ambiental com os recordes de queimadas ilegais observadas no Pantanal e na Amazônia, segundo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O problema, entretanto, não é restrito aos biomas dessas regiões. No Grande Recife, as ocorrências de incêndio em vegetação cresceram quase 232% em comparação entre janeiro e agosto de 2019 e 2020, segundo dados do Corpo de Bombeiros de Pernambuco. Na última quarta-feira (30), a organização não governamental Salve Maracaípe, que tem nome em referência à praia localizada no município de Ipojuca, divulgou em suas redes sociais um vídeo em que mostra áreas de restingas na praia vizinha de Porto de Galinhas, um dos principais cartões postais de Pernambuco, queimando.

Um dos fundadores da ONG, Daniel Galvão disse que a quantidade de focos de incêndio observada na área aumentou em 2020 e que recebeu as imagens divulgadas na quarta-feira de três diferentes pessoas. "Do ano passado para cá, acelerou muito a quantidade de incêndios. Depois que a gente trabalhou no óleo, passamos uns três ou quatro meses apagando incêndios em Porto de Galinhas e denunciando em outras áreas. Esse ano, começou mais cedo ainda, estamos bem preocupados com isso", relatou. Não há, no entanto, um monitoramento da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) que contabilize a quantidade de incêndios em áreas ambientais, apesar do órgão afirmar que "atua no levantamento dos danos, autuação dos responsáveis, quando possível, e no monitoramento da recuperação do dano". 

 
 
 
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A QUEM RECORRER?? Quem acompanha o Salve Maracaípe viu o quanto lutamos apagando incêndio no braço com nossos voluntários e denunciando incêndios criminosos no final de 2019 e início de 2020. Foi um recorde de ince?ndios!! Fizemos diversas denúncias a Prefeitura de Ipojuca e ao Ministério Público Estadual, o que eles fizeram?? ABSOLUTAMENTE NADA!! Menos de um ano depois os incêndios voltam a ocorrer com cada vez mais frequência!! QUEM PUDER, ENTRA NO SITE DA OUVIDORIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL E FAZ UMA DENÚNCIA! Sabemos que essa Prefeitura nada vai fazer, pois é ela própria que está destruindo tudo, restingas, mangues, corais! Mas não é aceitável que o Ministério Público Estadual de Pernambuco não faça nada para intimar essa Prefeitura! @ouvidoriamppe o que está acontecendo??

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Segundo dados do Corpo de Bombeiros de Pernambuco, 188 ocorrências de incêndio em área de vegetação foram atendidas pelo Grupamento de Bombeiros de Incêndio (GBI) entre janeiro e agosto de 2019 no Grande Recife. No mesmo período de 2020, foram apagados 436 focos em toda a região metropolitana, um acréscimo de quase 232%. A entidade, no entanto, afirmou que precisaria de mais tempo hábil "para providenciar os dados mais estratificados", ou seja, sobre ocorrências apenas em Ipojuca ou em Porto de Galinhas. Procurados, o MPPE e a Prefeitura de Ipojuca afirmaram também não ter números de registros de incêndios na área.

Sem brigada de incêndio, a Guarda Municipal de Ipojuca trabalha para apagar o fogo sem equipamentos de proteção ou de ação contra o incêndio, apenas dispondo de pás, segundo um guarda, que, por medo de represálias, preferiu não se identificar. "Não temos equipamentos, usamos pá e areia. Segundo a gestão, estão sendo providenciados, mas já faz um ano, a gente sabe que não. A gente tem medo de repressões, não temos autorização para estar comentando. Todo verão isso acontece, o incêndio é constante. Tem dias que apagamos [o fogo] entre duas e três vezes na PE-09, que dá acesso a Porto de Galinhas", afirmou. "Também existe uma gama de catadores de guaiamum que queimam a área para poder descobrir a rota do animal e pegá-los. Já conduzimos alguns para a delegacia, não deveriam fazer isso, mas é a necessidade deles, também", completou.

A ONG diz que o Corpo de Bombeiros, quando contatado, explica que não pode se deslocar até o local, porque só tem central até o Porto de Suape. Galvão critica, ainda, a aparente falta de ação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) diante das recentes denúncias, já que o órgão tem como papel fiscalizar a aplicação da legislação e é legitimado para tutelar o meio ambiente, entre outras áreas. Em resposta, o MPPE confirmou, por nota, "o registro de manifestação, na manhã desta quinta-feira (1º), e informa que, após a triagem, será encaminhada para a Promotoria de Justiça competente." Quando questionado em relação a quais ações vem cobrando da prefeitura para evitar os incêndios, o MPPE afirmou que "recomendou ao município a criação de uma brigada contra incêndios, porém até o momento não houve resposta da gestão municipal."

Procurada pelo JC, a prefeitura de Ipojuca enviou nota informando que "já possui a Unidade de Defesa Ambiental (UDA) que atua apagando os focos de incêndio de menor complexidade e, quando a proporção é maior, a unidade dos Bombeiros que se localiza no município é acionada". Afirmou, também que tem "realizado um trabalho em parceria com a Secretaria municipal de Defesa Social para, através das câmeras de monitoramento, identificar os focos de incêndio que têm acontecido no município". Por fim, completou: "É verificado se eles são provocados de forma criminosa (quando a intenção da queimada é proposital) ou acidental (quando, por exemplo, alguém descarta uma bituca de cigarro na vegetação e provoca o incêndio). Na identificação pelos agentes ambientais sobre a queimada criminosa, inclusive de canaviais, a empresa/engenho/ o autor da ação é notificado podendo ter sua licença cassada e ser passível de multa", disse.

A gestão municipal garantiu que "quando um foco de incêndio é identificado são acionados os bombeiros (unidade localizada em Suape e que atende Ipojuca e outros municípios vizinhos), e que drones da Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano também são usados para realizar o monitoramentoPor fim, defendeu que a denúncia foi feita por "uso político/eleitoreiro por parte de alguns atores, que inclusive são candidatos nestas eleições, e informa que o jurídico será acionado sobre as acusações irresponsáveis contra a gestão municipal nas recentes queimadas." (Confira nota na íntegra no final da matéria)

Proteção judicial sobre áreas de mangue e restingas

No dia 28 de setembro, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), presidido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, aprovou a extinção de duas resoluções que delimitavam as áreas de proteção permanente (APPs) de manguezais e de restingas do litoral brasileiro e de uma resolução que exigia o licenciamento ambiental para projetos de irrigação. A revogação foi no suspensa no dia seguinte pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, mas na sexta-feira (2), o desembargador Marcelo Pereira da Silva, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), restituiu a validade de decisões do Conama. No entanto, para o advogado especialista em direito ambiental, Álvaro Pereira, ainda com a revogação das resoluções, as restrições da Lei da Mata Atlântica, que protegem restingas e manguezais por serem vistos como ecossistemas associados à mata, e as do Código Florestal, que entende que essas áreas são de preservação permanente, continuam em vigor.

O especialista afirma, ainda, que "incêndio é um crime ambiental, e qualquer tipo de prática nesse sentido em relação às áreas de manguezais ou de restingas está à margem da legislação", e que só podem haver construções nessas áreas caso sejam de interesse social, e antes avaliadas por órgãos licenciadores. "A lei estabelece que é a fiscalização é de competência comum, ou seja, dos órgãos federais, estaduais e municipais. É a prevalência de que o objetivo maior é a preservação ao meio ambiente. Naturalmente, o primeiro que chegar, ou até mesmo se os três chegarem e identificarem essa irregularidade, têm total poder de polícia para exercê-lo", disse. 

Queima traz danos ambientais e afeta percepção de turista

A queima da vegetação da área é preocupação para o biólogo, professor da Universidade de Pernambuco (UPE) e Diretor-Presidente do Instituto BiomaBrasil, Clemente Coelho Junior. "As restingas fazem a manutenção da biodiversidade, aplicam uma vasta quantidade de espécies, algumas até ameaçadas de extinção. Esses incêndios que, na maioria das vezes, são criminosos, trazem danos à fauna local. Ela também protege a área de recarga do lençol freático. A gente sabe que naquela região de Porto de Galinhas existe o consumo de água doce desse lençol, então quando a gente tira essa capa de proteção do solo, a gente está sujeito a fazer com que não recarregue o aquífero e, consequentemente, a gente começa a ter perda da água", relata.

Quando questionado sobre o que pode ter provocado o fogo, Clemente é enfático: "Todo incêndio quando não é natural é criminoso", e explica: "a restinga não é uma vegetação que pega fogo naturalmente. Sem dúvida nenhuma, seja quem for, poder público ou a iniciativa privada, sempre será criminoso. Períodos secos, de estiagem mais prolongadas facilitam a proliferação do incêndio, mas não o provocam." O biólogo afirma que os focos se intensificaram muito, "principalmente em Maracaípe", e que os "incêndios precisam ser tratados como crimes, porque existe uma forte especulação imobiliária naquela região, que se utiliza dessas técnicas para poder, posteriormente, ocupar os terrenos e não necessitar de uma autorização para corte da vegetação".

Por fim, o também ambientalista pontua a importância da região para o turismo local. "As restingas, com seus coqueirais, na orla de Porto de Galinhas, são o principal cartão postal do município de Ipojuca, é a imagem vendida nos pacotes de turismo. Botar fogo é queimar a beleza cênica da região".

A cirurgiã dentista do Rio Grande do Sul Gabriela Meurer, que esteve em Porto de Galinhas entre os dias 16 e 23 de setembro, concorda com a afirmação. "O que os turistas estão buscando eles não estão encontrando em Porto de Galinhas, a gente sai e vai para um lugar assim para sentir a natureza, para ter essa conexão e na verdade a gente não encontra mais isso lá", relatou. Um comentário da turista foi encontrado na página do Salve Maracaípe. À reportagem, ela contou que durante sua estadia viu, todas as noites, queimadas em áreas verdes na vista do hotel. "Nosso quarto tinha vista para o mar, mas o corredor tinha vista para a BR. Ali tem uma área verde e no fundo a gente via fogo à noite, mas não sabíamos o que era. A gente saía por volta de umas 19h e via", disse.

Nota de esclarecimento da Prefeitura de Ipojuca

"A Prefeitura do Ipojuca tem realizado um trabalho em parceria com a Secretaria municipal de Defesa Social para, através das câmeras de monitoramento, identificar os focos de incêndio que têm acontecido no município. É verificado se eles são provocados de forma criminosa (quando a intenção da queimada é proposital) ou acidental (quando, por exemplo, alguém descarta uma bituca de cigarro na vegetação e provoca o incêndio). Na identificação pelos agentes ambientais sobre a queimada criminosa, inclusive de canaviais, a empresa/engenho/ o autor da ação é notificado podendo ter sua licença cassada e ser passível de multa. Quando um foco de incêndio é identificado são acionados os bombeiros (unidade localizada em Suape e que atende Ipojuca e outros municípios vizinhos). Drones da Secretaria de Meio Ambiente e Controle Urbano também são usados para realizar o monitoramento.

A Prefeitura do Ipojuca, no entanto, lamenta o uso político/eleitoreiro por parte de alguns atores, que inclusive são candidatos nestas eleições, e informa que o jurídico será acionado sobre as acusações irresponsáveis contra a gestão municipal nas recentes queimadas."

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