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Travesti, cabeleireira morta em Dois Unidos, no Recife, pode ter sido vítima de LGBTfobia, diz cunhada

Adriana Paris foi assassinada a tiros, na manhã dessa quarta-feira (7), no Alto do Maracanã

Maria Lígia Barros
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Maria Lígia Barros
Publicado em 08/10/2020 às 13:32 | Atualizado em 08/10/2020 às 13:49
REPRODUÇÃO/ TV JORNAL
Adriana estava em casa quando foi surpreendida pelos suspeitos - FOTO: REPRODUÇÃO/ TV JORNAL

A família da cabeleireira Adriana Paris, de 42 anos, assassinada na manhã dessa quarta-feira (7) em Dois Unidos, na Zona Norte do Recife, ainda está em choque. Adrianinha, como era conhecida, era travesti e proprietária de um salão de beleza na Rua Dorandia, no Alto do Maracanã. O crime pode estar relacionado à LGBTfobia, levanta a cunhada, a terapeuta ocupacional Márcia Neto, 57.

“Essa é a realidade que a população vem sofrendo. É só pegar os jornais e ver como
são exterminados”, comentou a cunhada, que também faz parte do Comitê Estadual da População LGBT. Casada com o irmão de Adriana há 7 anos, ela a conhecia de perto. Segundo Márcia, Adriana se assumiu como travesti aos 15 anos de idade. “A família em peso apoiou, não tinha preconceito, não tinha fobias. A sociedade, a comunidade também respeitou”, lembrou.

Nascida e criada em Dois Unidos, Adriana mostrava desde adolescente o talento para a profissão que seguiria. “Ela sempre foi vaidosa, se ajeitava, tinha um dom para a beleza. Você vê as fotos dela e vê uma cabeleireira impecável. Com o passar do tempo, começou a se especializar, em todos os cursos, ela estava sempre se qualificando”, disse.

O imóvel onde funciona o salão é também onde vivia a família de Adriana. A cabeleireira morava na parte de cima da casa, enquanto a mãe, irmãos e sobrinhos moravam em outras casas no terreno “É uma família que muito se ajuda. Na parte da frente (da casa), todo mundo se mobilizou e organizou o salão para ela exercer a função em que era muito boa. Isso era inquestionável", pontuou.

De acordo com informações iniciais repassadas pela Polícia, Adriana estava sentada na calçada da casa com uma sobrinha de 4 anos quando os dois suspeitos chegaram. Eles teriam obrigado a vítima a deixar a criança com os parentes e mandado ela entrar no salão, onde efetuaram os disparos. Depois do crime, os dois homens fugiram.

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Adriana estava em casa quando foi surpreendida pelos suspeitos - REPRODUÇÃO/ TV JORNAL

Para Márcia, uma perda enorme e inesperada. Ela contou que Adriana nunca relatou à mãe, de quem era muito próxima, estar sofrendo ameaças. “Está todo mundo em choque, ela era muito querida por toda família.”. “Nunca pensei que fosse morrer assim, por ter um corpo que não é o corpo do nascimento - se tiver sido essa a causa”, falou.

Márcia relembra que, exatamente um mês antes da morte, Adriana celebrava o aniversário. “Um mês atrás a gente estava fazendo uma festa para ela, como ela sempre quis. Ela não tinha um real de tristeza, estava sempre sorrindo, sempre com a palavra amiga, um carinho”, disse.

“Eu olhava para ela e via uma pessoa muito assumida, muito bem com seu corpo, numa comunidade muito carente, e uma família sem um real de preconceito. Ela é um exemplo, sempre vai ser lembrada assim”, completou.

Agora, a esperança é por justiça. “Até por ela, para que outros corpos LGBT não venham também a ser assassinados”, finalizou.

O delegado Diego Acioly, que atendeu a ocorrência no primeiro momento, afirmou que a Polícia não descarta nenhuma possibilidade de motivação do crime - inclusive a de LGBTFobia.

“É tudo muito inicial ainda. Algumas pessoas falaram que poderia ser um indivíduo, outras disseram que poderiam ser dois indivíduos, e atirou diversas vezes na vítima, dando sinais claros de execução. Nada foi subtraído, o que demonstra que não foi um latrocínio, mas um ato premeditado para ceifar a vida da vítima”, comentou em entrevista à TV Jornal na manhã desta quinta-feira (8). O caso foi encaminhado para a 5ª Delegacia de Homicídios, onde segue sob investigação do delegado Roberto Lobo.

Adriana será sepultada a partir das 15h desta quinta, no Cemitério de Santo Amaro.

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Adriana estava em casa quando foi surpreendida pelos suspeitos - REPRODUÇÃO/ TV JORNAL

O Brasil é o País que mais mata pessoas trans e travestis do mundo

Em 2019, o Brasil registrou 124 assassinatos de pessoas trans, sendo 121 travestis e mulheres transexuais e 3 homens transexuais, de acordo com o dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Desse total, só 11 casos (8%) tiveram os suspeitos identificados, e apenas 7% foram presos. Segundo o documento, o País segue na liderança do ranking como o que mais mata travestis e transexuais do mundo.

Pernambuco foi o quarto estado com maior número de homicídios dessa população, com oito ocorrências, atrás apenas da Bahia, do Ceará e de São Paulo. O coordenador de Saúde Integral da População LGBT, Luiz Valério, definiu esses assassinatos como crimes de extermínio.

“Existe uma própria estrutura da sociedade que nega trabalho, acesso à escola, acesso à saúde à esta população. Esse processo que a sociedade gera de violência vai acabar como acabou pra Adriana: com a execução de um corpo que, para a sociedade, é um corpo estranho, um corpo que não tem importância”, postulou.

“Normalmente, esses crimes não são elucidados, não chegam a chegar a tipificação dele como LGBTfobia. Depois da criminalização da LGBTfobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as delegacias não tem fechado crimes como de LGBTfobia”, criticou.

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Adriana estava em casa quando foi surpreendida pelos suspeitos - FOTO:REPRODUÇÃO/ TV JORNAL
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Adriana estava em casa quando foi surpreendida pelos suspeitos - FOTO:REPRODUÇÃO/ TV JORNAL

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