Ferro-velho na mira da polícia

OPERAÇÃO Forças de segurança e empresas como a Celpe fiscalizaram 42 estabelecimentos, constatando irregularidades na maioria

Amanda Rainheri
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Amanda Rainheri
Publicado em 30/10/2020 às 2:00
BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
ORGANIZAÇÃO Ferro-velho na Abdias de Carvalho, Zona Oeste do Recife, é um dos poucos que funcionam dentro das exigências mínimas - FOTO: BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
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Receptação, roubo de energia elétrica e posse ilegal de armas de fogo. Na última terça-feira, a Polícia Civil, em operação inédita e conjunta com outras forças de segurança, além de empresas de telefonia e da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), identificou e fiscalizou 42 ferros-velhos do Grande Recife, constatando irregularidades na maior parte deles. Mas os achados podem ser apenas uma pequena parte de um problema muito maior. Sem uma legislação completa, dados e fiscalização efetiva, os locais, que compram materiais sem exigir a procedência na maioria das vezes, podem acabar estimulando a prática de outros crimes.

Sem mandados de busca e apreensão, as autoridades se basearam na Lei 15.034, de julho de 2013, para realizar a operação. Sancionada pelo então governador Eduardo Campos, a lei trata sobre o cadastro de compra, venda ou troca de cabo de cobre, alumínio, baterias e transformadores para reciclagem no Estado. Segundo o texto, ferros-velhos e locais que comercializem esses tipos de materiais devem preencher cadastro específico, contendo informações como nome, endereço, telefone, identidade e CPF do vendedor e do comprador, bem como data da transação, detalhamento sobre quantidade e especificação, em caso de troca, do material permutado.

O Artigo 2º da lei determina que os cadastros devem ser entregues mensalmente ao órgão que deveria ser estabelecido pelo governo do Estado posteriormente em decreto regulamentar, mas, sete anos depois, a regulamentação ainda não foi feita. Novamente, no artigo 5º, o texto diz que cabe ao Executivo "regulamentar a presente lei em todos os aspectos necessários para sua efetiva aplicação", mas não determina prazo.

"Trata-se de uma lei estadual aprovada pela Assembleia Legislativa e sancionada pelo governador, que autoriza o Poder Executivo a regulamentar os aspectos necessários para sua melhor execução, porém não estipula prazo para tal. O que ocorre é conferir uma obrigação a um sujeito sem conferir um devido controle", explica o advogado Lucas Arruda. Segundo ele, quando situações assim acontecem, há uma delegação de poder. "Estaríamos reféns do agir do Executivo, tendo o poder Legislativo sua vontade suprimida por uma omissão, uma vez que não foi condicionado lapso temporal para execução do ato regulatório. É chamada de legislação negativa, é a lei não ter sua eficácia completa por falta de regulação." A prática, segundo ele, é inconstitucional e pode ser objeto de contestação judicial.

Gestor da Diretoria Integrada Metropolitana (DIM), que coordenou a operação, Antônio Barros reconhece a necessidade de complemento na legislação. "A lei diz o que os estabelecimentos devem fazer, mas falta a regulamentação. É ela que vai dizer quem deve efetivamente fiscalizar, e como fiscalizar. Ainda assim a aproveitamos, porque determina o cadastramento da relação comercial. A maioria dos ferros-velhos descumpriam esse aspecto."

Segundo ele, o crime mais comum é a receptação qualificada pelo exercício da atividade comercial. Em alguns estabelecimentos, um quilo de cobre chegava a ser comprado por R$ 32. Somente desse material, as autoridades apreenderam 223,8 quilos. Para o delegado, a prática de compra sem que a origem seja informada acaba estimulando que os crimes contra o patrimônio aconteçam.

Além dos fios de cobre, a polícia recuperou 12.980 metros de cabos, 45 metros quadrados de chapas de alumínio provenientes de BRTs, 12 luminárias da Prefeitura do Recife, 28 grades intactas e outras sete parciais da Via Mangue, instrumentos e equipamentos de uso exclusivo da Celpe e materiais desviados de obras. Doze pessoas foram presas e quatro armas apreendidas.

A reportagem solicitou balanços de operações e de fiscalizações de rotina em ferros-velhos à Secretaria de Defesa Social (SDS) e à Prefeitura do Recife. Nem a gestão estadual nem a municipal forneceram dados. A Prefeitura do Recife não soube informar também quantos possuem alvará de funcionamento. Segundo o município, esse tipo de estabelecimento é classificado como comércio de peças autônomas, assim como as lojas, o que dificulta o levantamento. A reportagem também demandou a Procuradoria-Geral do Estado (PGE), que não esclareceu informações sobre a regulamentação da Lei 15.034.

 

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PEÇAS Prefeitura do Recife desconhece quantos pontos têm alvará para funcionar - FOTO:BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
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CADASTRO Negócios devem ter documentos com dados do vendedor e do comprador - FOTO:BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
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EFEITO Legislação determina o cadastro da relação comercial - FOTO:BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM
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29.10.2020 - FERRO VELHO - Visita a um ferro velho que se encontra na Abdias de Carvalho. - FOTO:BRENDA ALCÂNTARA/JC IMAGEM

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