Antes porta de entrada para quem chegava ao Recife, o antigo terminal do aeroporto da capital pernambucana agora amarga o abandono. Pichado e sem parte das telhas, serve apenas como parada de ônibus e abrigo para moradores de rua. Construído na década de 50, o prédio, por onde passaram nomes ilustres como o Papa João Paulo II, ficou ocioso desde que o atual Aeroporto Internacional do Recife Guararapes/ Gilberto Freyre passou a funcionar, em 1º de julho de 2004. Agora corre o risco de ser demolido para dar lugar a um estacionamento.
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A notícia de que a Aena, atual administradora do aeroporto, teria planos de demolir o antigo terminal para construir um estacionamento de superfície chegou a especialistas que integram o comitê Burle Marx. Nos últimos meses, os arquitetos têm se movimentado para evitar que o prédio suma da paisagem recifense. O caso agora está sendo acompanhado pelo Ministério Público Federal em Pernambuco (MPF-PE).
Os primeiros campos de pouso do Aeroporto dos Guararapes, segundo a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), foram construídos no antigo Engenho Ibura. O nome Guararapes teria se originado do fato de os campos estarem localizados próximos às encostas dos montes dos Guararapes, região onde foram travadas as duas batalhas da Insurreição Pernambucana. Nos anos 50 durante o governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, se iniciou a construção do primeiro prédio no bairro da Imbiribeira, junto à Praça Ministro Salgado Filho, projetada por Burle Marx. A praça foi inaugurada em 1957, enquanto o aeroporto teve inauguração em 18 de janeiro de 1958, com a presença do então presidente Juscelino Kubitschek.
Além de parte da história da capital, as paredes do antigo aeroporto também carregam a cultura pernambucana. Nelas estão pintadas estão algumas das mais belas obras do pintor recifense Lula Cardoso Ayres, que retratam costumes e o folclore nordestinos. As pinturas são tombadas pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e estão entre as principais preocupações dos especialistas. “Queria saber que destino será dado às obras de arte que estão lá. O bem cultural não é só o edifício, mas tudo o que está dentro dele”, afirmou a arquiteta e urbanista Ana Rita Sá Carneiro, que coordena o Laboratório da Paisagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Mas a importância da construção vai além. Prédio e praça fazem parte de uma única composição arquitetônica. “Querem mutilar o projeto. A construção de um estacionamento de superfície no local do prédio vai quebrar a unidade arquitetônica entre o edifício e o jardim. Existe essa dependência. A praça tem uma escadaria que dá exatamente em frente ao antigo aeroporto, é uma integração total”, aponta Ana Rita.
A Praça Ministro Salgado Filho passou por requalificação em 2013 e foi tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2015, passando a constar nos Livros de Tombo em 2017. A arquiteta e urbanista Lúcia Veras, que é vice-coordenadora do Laboratório da Paisagem da UFPE, argumenta que o edifício está situado na sua Poligonal de Tombamento. “Ou seja, só se compreende a praça em sua relação com o edifício, que lhe dá escala e lhe antepara.” Foi Veras quem deu entrada no Ministério Público, representando o laboratório, para solicitar apoio. Na defesa, ela explica que um dos fatores levados em consideração para que o jardim recebesse reconhecimento federal e municipal (o Decreto Nº 29.537/2016 classificou o equipamento como “Jardim Histórico) é justamente a relação entre o prédio e o jardim.
Além disso, a própria construção, de estilo moderno, tem valor arquitetônico, apesar de ter sido descaracterizada ao longo do tempo. Fernando Tenório, 65, trabalhou durante 42 anos no Aeroporto do Recife, antes de se aposentar, e lembra bem das intervenções. “Foram duas grandes intervenções. Uma em 1982, que descaracterizou o projeto modernista, o que foi uma lástima. A segunda veio em 1991 para uma ampliação. A própria Infraero (antiga administradora do aeroporto) destruiu o que existia.” Apesar das alterações, a maior parte dos traços modernistas são preservados, como pilares independentes, modulações e grandes vãos de abertura entre interior e exterior.
Segundo especialistas, a descaracterização do prédio teria sido a causa do parecer favorável do Iphan à demolição do prédio. “O Iphan autorizou porque olhou pontualmente para o edifício e viu que não tinha mais características que justificassem o tombamento como salvaguarda. Está, de fato, descaracterizado, mas mantém escala e volume da praça, que não pode dar para o nada, para o vazio”, defende Lúcia Veras. Para os arquitetos, o espaço poderia ser recuperado e servir como sede a museus, que poderiam contar a história da aviação ou mesmo de Burle Marx, por exemplo. A reportagem procurou o Iphan para esclarecimentos, mas não obteve retorno.
Em nota, o Ministério Público Federal em Pernambuco (MPF-PE) afirmou que o “procurador da República que acompanha o caso informou que requisitou informações ao Iphan, à Aena e à Prefeitura para poder analisar o caso.”
Já a Aena respondeu de forma vaga e não confirmou os planos de demolição do antigo terminal. Em nota, a administradora esclareceu que “está em tratativas com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e que todos os investimentos previstos para o Aeroporto Internacional do Recife Guararapes/Gilberto Freyre serão definidos após a superação da pandemia do novo coronavírus.” O comunicado diz ainda que “a expectativa é de que, a partir de janeiro de 2021, tenham inícios obras de requalificação, que incluem instalação de estruturas de acessibilidade, sinalização e reforma de banheiros e esteiras. Também estão previstos investimentos, para março de 2021, na segurança, capacidade e qualidade do terminal.”
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