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Retrospectiva: os boatos mais frequentes sobre a pandemia que circularam em 2020

Questionamentos sobre a eficácia de medicamentos e medidas de isolamento social estiveram entre os mais frequentes. A nova onda de desinformação ataca as vacinas.

Alice de Souza
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Alice de Souza
Publicado em 17/12/2020 às 13:48 | Atualizado em 17/12/2020 às 13:48
GEORGE FREY/AFP
SEM EFICÁCIA Estudos comprovaram que remédio não tem poder no tratamento de pacientes com covid-19 - FOTO: GEORGE FREY/AFP

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Matéria produzida pelo projeto Confere.ai em parceria com o Jornal do Commercio. - confere.ai

Quando a pandemia da covid-19 chegou ao Brasil, com o primeiro caso confirmado em 26 de fevereiro, trouxe consigo mais que o vírus. A reboque da doença, veio também ao país a chamada “desinfodemia”, uma onda de boatos, dados enganosos e mentiras que segue até hoje. As incertezas sobre a doença, a falta de estudos e comprovações científicas, e a ação desnorteada de gestores públicos contribuíram para gerar muitas dúvidas na população. Algumas delas persistem. Por isso, o Confere.ai faz uma retrospectiva dos principais temas e formatos de boatos sobre a pandemia e reforça como enfrentar as ondas da desinformação.


A pandemia trouxe, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um excesso de informações, algumas verdadeiras e outras falsas. Somente em março, eram mais de 550 milhões de tuítes sobre o tema. A busca de atualizações sobre a doença na internet havia crescido de 50% a 70%. A desinformação acompanhou esse movimento, e nove em cada 10 brasileiros haviam recebido pelo menos uma informação falsa sobre a doença em maio, de acordo com um estudo da Avaaz.


O volume de dados de veracidade duvidosa surpreendeu inclusive os checadores, como explica o editor do Projeto Comprova, uma coalizão de veículos de comunicação para verificar boatos, Sérgio Lüdtke. “Quando decidimos fazer um expediente especial para checar informações sobre a covid-19, a pandemia era um ‘não assunto’ nas redes sociais. Apareciam poucas coisas, alguns boatos importados. Mas quando lançamos o projeto, o volume de desinformação já era maior do que a nossa capacidade de enfrentamento naquele momento”, afirma.


Para Leda Gitahy, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e uma das coordenadoras do Grupo de Estudo da Desinformação em Redes Sociais (EDReS), “a desinformação na pandemia pode ser considerada um problema de saúde pública, não mais de opinião, pois levou as pessoas a terem comportamentos de risco”. O EDRes criou uma canal no Whatsapp (+55 19 99327.8829) para receber conteúdos enganosos e falsos. A meta do grupo de pesquisa é investigar padrões das desinformações sobre covid-19 e o caminho que elas percorrem na internet.


O expediente especial do Comprova começou no dia 25 de março. Foram 75 dias dedicados exclusivamente às verificações sobre a pandemia. Naquela época, entre os temas mais checados estavam distorções nos números de casos, questionamentos às medidas de isolamento social e promessas de cura ou tratamentos milagrosos com substâncias de eficácia não comprovada.


Ao longo de todos estes meses de pandemia, a desinformação circulou em ondas, acompanhando a agenda pública. “Quando começou a pandemia, sempre aparecia algo relacionado à origem do vírus e também falando da China. Depois, começaram os boatos para negar a existência da doença, que eram semelhantes ao que se publicava em outros países, como os Estados Unidos e a Hungria. Só mudava o ‘vilão’. Depois, vieram as curas mágicas, o questionamento do uso de máscaras, álcool gel. Em seguida, a história dos remédios. Também circulou forte a questão de economia versus saúde”, explica Leda Gitahy.


As ondas de desinformação também foram politizadas. Um estudo sobre os efeitos da pandemia entre jornalistas e redações, realizado pelo Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, em inglês) e o Tow Center for Digital Journalism, da Universidade Columbia, mostrou que os líderes políticos estão entre as fontes mais frequentes de desinformação, perdendo apenas para os cidadãos comuns. Eles foram mencionados por 46% dos entrevistados, três pontos percentuais a mais de menções que os trolls.


“No Brasil, em um dado momento, o tema começou a polarizar. Com a separação de discurso entre as ações do Governo Federal e dos Governos Estaduais, grupos articulados sequestraram o tema da pandemia”, acrescenta Sérgio Lüdtke. Em consequência disso, os conteúdos de desinformação dependem da fala de alguma autoridade ou de algum estudo novo publicado. Segundo Sérgio Lüdtke, os boatos foram diminuindo a referência a outros países e se centrando nas questões nacionais, mas houve algumas desinformações que voltaram várias vezes e precisaram ser checadas mais de uma vez, como os boatos sobre medicamentos e tratamentos.

Reprodução/Facebook
Bolsonaro ergue cloroquina para apoiadores - Reprodução/Facebook


“Recebemos muitos conteúdos sobre a pandemia da covid-19 que eram iguais, criticando o mesmo ponto, só mudavam o sotaque e o alvo. Todos que foram visualizados num mesmo dia ou em dias próximos, o que nos leva a pensar que pode ter sido uma ação planejada”, explica a professora da Unicamp. As redes sociais foram fontes em que 80% dos entrevistados pela pesquisa do ICFJ e da Universidade Columbia mencionaram como locais de acesso à desinformação. Sendo o Facebook, o WhatsApp e o Twitter os mais mencionados, respectivamente. “É preciso pensar que essas desinformações servem também como propaganda”, alerta Leda.


Atualmente, um dos temas que mais tem motivado a criação de boatos na internet é a vacina, preocupando checadores e cientistas, que estimam que essa onda de desinformação sobre a imunização deve permanecer forte até 2021. “São boatos que não estão sendo feitos pelos grupos tradicionais antivacina, são grupos políticos”, alerta o editor do Comprova. A questão vem sendo debatida pela Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD). Um dos integrantes da rede, a União Pró-Vacina organizada pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) Polo Ribeirão Preto da USP, fez um guia com as principais dúvidas sobre o tema. Em comum, o alerta é que, para os próximos meses, será preciso reforçar a atenção para evitar cair nos boatos sobre a pandemia e as vacinas.

Piktochart
Os temas de desinformação mais propagados durante a pandemia de covid-19. - Piktochart

 

Retrospectiva da desinformação sobre covid-19 mês a mês

A desinformação circulou em ondas durante a pandemia. Alguns boatos já não viralizam mais, porém outros somem e voltam a aparecer nas redes sociais, apenas com um detalhe ou outro diferente. Confira nesta lista quais foram os temas centrais dos boatos que circularam a cada mês desde a chegada da covid-19 ao Brasil, a partir de levantamento de checagens feitas pelo Projeto Comprova.

Março

No início da pandemia, os boatos ainda estavam muito atrelados ao que acontecia no exterior. Havia distorções sobre o que era dito pela Organização Mundial da Saúde, como nesta checagem do Projeto Comprova, e também tirando de contexto conteúdos publicados em outros países, como a Itália, naquela época referência de local com alta transmissão do coronavírus.

Abril

Os boatos distorcendo dados do exterior ou mencionando outros países ainda se fizeram muito presentes, porém começaram a surgir com mais frequência desinformações sobre medicamentos e questionando o isolamento social.

Maio

Com o crescimento de casos de covid-19 no Brasil, os boatos passaram a questionar a veracidade da quantidade de casos da doença no país, como textos dizendo que o número de casos no Amazonas havia diminuído após visita do Ministro da Saúde. Também se fizeram presentes com intensidade os questionamentos sobre o isolamento social.

Junho

Em junho, com os números altos de casos e a permanência da incerteza científica sobre a doença, ganharam mais viralização os boatos sobre a eficácia de medicamentos como a ivermectina e a hidroxicloroquina. Os boatos sobre a inexistência de internações ou sobre hospitais também fizeram parte dos mais compartilhados.

Julho e Agosto

Nestes meses, os boatos sobre a eficácia dos medicamentos, alguns dizendo que o consumo das substâncias curariam a doença, permaneceram em alta. Começaram a surgir, por outro lado, boatos sobre a vacinação para a covid-19, como alguns dizendo que as vacinas haviam chegado para o público geral no Brasil e não para testes.

Setembro, outubro e novembro

A partir de setembro, a vacina começou a dominar como tema mais frequente da desinformação. No começo, de maneira mais “tímida” e disputando atenção com boatos sobre a origem do vírus e o uso de medicamentos. Em outubro e novembro, porém, foi o tema mais recorrente por exemplo nas checagens do Projeto Comprova. Entre os boatos checados, questionamentos sobre a compra de vacinas por São Paulo, a vinculação das vacinas com casos de câncer e informações errôneas de que as vacinas em teste no Brasil não haviam passado pela fase pré-clínica.

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