PANDEMIA

Um Natal ressignificado por causa da pandemia de covid-19

Três mulheres, Paula, Rozilda e Dulce, contam como vão passar a véspera do nascimento do menino Jesus neste ano de pandemia do novo coronavírus

JC
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Publicado em 20/12/2020 às 0:00
ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
SAUDADE Paula passará o primeiro Natal sem a mãe Josefa, vítima da covid-19. Ela e o marido Emerson vão para casa de um parente - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

Celebração que sempre foi, para muitas pessoas, sinônimo de gente reunida, de abraços e de alegria, o Natal deste ano, por causa da covid-19, vai ser diferente. Os encontros terão que ser adiados ou reduzidos. A festa será mais contida ou nem vai existir. Seja por causa do necessário distanciamento social, seja pela falta de parentes vítimas da doença. Mas é certo que diante de tantos desafios provocados pela pandemia, o nascimento do menino Jesus ganha novos significados. A garçonete Paula não terá a companhia da mãe. A professora Rozilda não receberá toda a família para a ceia natalina. Já advogada Maria Dulce vai se contentar em ver os parentes pela web. Elas contam o que aprenderam a valorizar depois de meses de rotinas modificadas pelo vírus que já atingiu mais de 74 milhões de habitantes no mundo.

Saudade da rotina

Não fosse a covid-19, a garçonete Paula Brito, 35 anos, estaria com o marido Emerson, 40, e a mãe Josefa Brito, 76, celebrando o Natal, no final desta semana, em algum resort, como gostavam de fazer os três. Ano passado foram para o Rio de Grande do Norte. Em 2018 estavam em Porto de Galinhas. Mas o vírus que infectou 205 mil pessoas só em Pernambuco e tirou a vida de 9.383 delas, matou Josefa. Era 1º de agosto quando a animada senhora que gostava de ir à praia, de sair com as amigas, de participar de bazares beneficentes e de rezar diariamente o terço perdeu a batalha para a doença. Entre a incerteza do diagnóstico e a confirmação da infecção foram quase 30 dias, dos quais mais da metade passado em três hospitais.

"Minha mãe tinha muito medo de adoecer, se cuidou, ficou em casa durante o isolamento, apesar de reclamar da falta que sentia das amigas e de sua rotina de atividades. Ela só saía para receber a pensão", relata Paula. No início de julho, começou a ter dor de barriga e diarreia por dias seguidos. "Tomou antibióticos, fez exames, mas não melhorava. Precisou passar uns dias numa UPA, depois no Hospital Getúlio Vargas. Acredito que foi lá que ela se contaminou com o coronavírus. Teve que ser transferida para o Hospital Barão de Lucena pois seu quadro piorou. Foi perdendo a força, os pulmões ficando fracos, até não resistir", relata Paula.

A saudade da mãe é aliviada quando cuida das plantas de que Josefa tanto gostava. "Mainha tinha um dom nas mãos e uma das suas paixões eram as plantas. Conversava com elas, cuidava sempre. Quando ela faleceu, as que tinham aqui em casa floriram", conta Paula, ao lado de uma flor do deserto, um das preferidas de sua mãe. "Ela também tinha muitas roseiras, mas ficaram no antigo prédio que morávamos", diz Paula.

Na noite de quinta-feira, o casal vai para a casa de um primo da garçonete, no Recife, para participar da ceia natalina. Lá estará também uma das irmãs de Josefa, mãe desse primo. "Mainha era muito alegre, curtia festas, adorava dançar. Se estivesse viva, a gente talvez fosse para um hotel. Ela passaria a noite dançando, se divertindo. Sempre amou viver", diz Paula.

"Sem ela aqui, vai ser diferente. Será tranquilo, mas ela faz falta. Tenho muita saudade, do nosso dia a dia, até das reclamações", comenta Paula. "Ainda bem que nos últimos três anos passamos a conviver pois ela veio morar comigo e meu marido. Após a morte dela percebi ainda mais o quanto é importante estar perto de quem a gente ama."

Saudade da casa cheia

A professora aposentada Rozilda Azevedo, 75 anos, sempre gostou de casa cheia o ano todo. Tem quatro filhos, oito netos, duas noras, 13 irmãos e 37 sobrinhos, sem contar os sobrinhos-netos. Nos últimos 18 anos, sua residência, no bairro da Boa Vista, área central do Recife, foi o destino, na véspera do Natal, de pelo menos metade desses irmãos, além dos cunhados, duas dezenas de sobrinhos, seus parceiros e filhos. A ceia já reuniu mais de 50 pessoas, com direito ao tradicional amigo secreto, orações, dinâmicas e troca de presentes. A celebração do nascimento do menino Jesus virava uma animada festa.

Neste ano, a grande mesa da sala de jantar, disputada na hora da refeição natalina, terá bem menos gente. A casa ficará menos barulhenta. Estarão presentes apenas os filhos, noras e netos, somando 14 pessoas que já convivem diariamente.  E em vez do encontro acontecer à noite, foi trocado pelo almoço do dia 25.

"Infelizmente não poderemos reunir a família toda por causa da pandemia. O sentimento é de vazio, embora eu vá estar com os filhos e netos juntos", diz Rozilda. "Mas faltarão os irmãos, os sobrinhos. Vou sentir muita falta do barulho, da festa que fazíamos todos os anos. Houve vezes que tinha tanta gente que algumas pessoas brincavam dizendo que era um tirando o pé para que logo outro colocasse no lugar", relembra a professora.

Como um dos netos mais velhos dela vai trabalhar na véspera do Natal, à noite, optou-se pelo almoço no dia seguinte. "Como já será um grupo menor, não quis abrir mão da presença de todos os filhos e netos. Já que um dos netos não poderá estar conosco no dia 24, transferimos a comemoração natalina para o dia 25", conta Rozilda.

"Num ano tão difícil como foi esse gostaria muito de ter a família toda por perto, seria mais um motivo para celebrarmos o menino Jesus. Mas sou idosa, portanto do grupo de risco. Achei arriscado. Vou continuar rezando para que em 2021 haja vacina pois o vírus não deixará de existir, mas podemos nos proteger. Quero que a minha casa volte a ficar cheia, que nosso Natal seja tão comemorado como sempre foi em outros anos, com alegria e saúde", afirma Rozilda.

"Lamento não ir para casa de Rozilda. O Natal é sempre um momento muito esperado por todos nós pois gostamos de reunir a família. Mas a situação da pandemia está terrível, temos que nos cuidar e proteger quem amamos", ressalta Raquel Azevedo, 58, uma das irmãs da professora.

Saudade da presença 

O plano da advogada Maria Dulce Barros, 44 anos, era vir ao Brasil com o marido Rosendo, 47, e o filho Arthur, 9, como costumam fazer a cada um ou dois anos, para passar as festas de fim de ano. O coronavírus já tinha atrapalhado a ideia inicial de estar no Recife em julho para celebrar os 80 anos do seu pai e os 90 anos da avó materna. A família vive no Canadá, na cidade de Laval (na Grande Montreal), há 11 anos. Na capital pernambucana estão, além dos pais de Dulce, três irmãos e oito sobrinhos.

"Ficamos acompanhando as notícias relacionados ao coronavírus no Brasil. Em setembro desistimos da viagem. Então alugamos um chalé próximo da nossa cidade com mais dois casais de amigos brasileiros que são como nossa família no Canadá. Ao todo 10 pessoas, o máximo permitido pelo governo canadense. Mas no início deste mês todos os encontros foram proibidos. Passaremos o Natal só nos três. Mas virtualmente vamos nos encontrar com minha família e com esses amigos daqui", conta a advogada, por telefone.

Ela comprou os presentes dos sobrinhos pela internet. A descoberta do amigo secreto terá também que ser online. Os presentes serão entregues essa semana, antes do dia 24, sem identificação. Somente na véspera é que os pacotes poderão ser abertos, com os donos deles revelados.

"Claro que queria estar junto da minha família e amigos. Mas há uma gratidão enorme de estar viva e estarmos bem. A pandemia nos deu oportunidade de valorizar coisas simples do cotidiano", destaca Dulce. "Perdi uma cunhada vítima de covid. A vi no Natal de 2019. Não imaginava que seria a última vez que nos encontraríamos. Então poder celebrar esse Natal com quem eu amo, mesmo que distante, é muito bom. E já começar a planejar como será no ano que vem", diz.

Para a mãe de Dulce, Rejane Barros, 69, o mais difícil, na próxima quinta-feira, será vencer a saudade. "Queria ficar perto, estarmos juntos. Nesta pandemia aprendi o quanto a nossa liberdade é importante, poder ir e vir, pisar na grama, ir na praia. Vou sentir muito a falta de minha filha, de Rosendo, que tenho como um filho, e de Arthur. A saudade dói", diz Rejane.

Para aliviar a ausência da primogênita, que participará da ceia virtualmente, Rejane estará cercada dos outros três filhos, Ruy, Marcela e Irene, do marido Marcelo, dos oitos netos e de sua mãe. "O consolo é que tudo passa. Temos saúde. Espero em breve poder abraçar Dulce, Rosendo e Arthur."

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