FOLIA

Relembrar Carnavais inesquecíveis ajuda a aliviar a falta da folia neste 2021

Sem festa por causa da covid-19, foliões relembram a farra de Carnavais passados

Imagem do autor
Cadastrado por

Amanda Ranhieri; Margarida Azevedo

Publicado em 14/02/2021 às 4:13 | Atualizado em 14/02/2021 às 8:15
Notícia
X

Neste ano, a alegria do Carnaval divide espaço com a saudade. Saudade das fantasias, de reunir os amigos, das apresentações no Recife Antigo e do sobe e desce nas ladeiras de Olinda atrás de orquestras e blocos. Saudade do calor do povo, da felicidade estampada no rosto. Saudade do coco, do caboclinho, do samba, do maracatu e do frevo que toma o corpo e acaba no pé. Apesar da suspensão da festa em Pernambuco, devido à pandemia do novo coronavírus, esta não será uma época de tristeza para quem carrega no coração o espírito da folia. E são nas lembranças de farras passadas que os foliões encontram conforto para a falta que a festa faz. Neste domingo de Carnaval, conheça histórias inesquecíveis de quem é apaixonado pelo Reinado de Momo.

GALO DA MADRUGADA

Era 1984 e a psicóloga Maria de Fátima Miranda, hoje com 61 anos, realizava um sonho: brincar o Galo da Madrugada. Fantasiados de palhaço, ela, o marido Luis Fernando Miranda e os primos acompanharam todo o percurso do maior bloco do mundo de uma posição pra lá de privilegiada: a ala dos estandartes. “Lembro que foi um ano atípico, de muita chuva. Estava tudo molhado, mas foi o que mais aproveitamos, porque seguimos do início ao fim, junto aos estandartes. Foi aquele desfile, lá do interior mesmo do bloco, que despertou o amor que temos pelo Galo.”

De lá pra cá são mais de 30 anos de uma paixão intensa pela folia. A casa onde Fátima e Luis vivem, nas Graças, Zona Norte da capital, é um verdadeiro barracão carnavalesco, onde os dias de Momo são assuntos levado muitíssimo a sério. As fantasias - deles, da família e de amigos - são preparadas manualmente na semana que antecede a folia e sempre tratam de algum assunto em pauta naquele momento, seja político ou cultural. O casal também tem uma fantasia tradicional: Moema e Moemo, duas emas que são sua marca registrada há mais de 15 anos.

Mas se engana quem pensa que os gás acaba após o Galo. “Antigamente, íamos pra Olinda durante o dia e à noite para o Recife Antigo. Hoje, vamos mais ao Antigo à noite e durante o dia procuramos outros polos, como o Mercado da Boa Vista. Onde tiver folia e bloco, nós estamos.” Para ela, a magia do Carnaval está em ver a alegria estampada no rosto de cada um. “É uma mistura de gente feliz. Não importa raça, nível social, todos estão juntos, curtindo a festa, com a felicidade estampada no rosto.”

BLOCO DAS ILUSÕES 

O Carnaval que está marcado no coração do professor Paulo Germano, de 49 anos, é o de 2015. Naquele ano, ele desfilava pela primeira vez no Bloco das Ilusões ao lado da afilhada, então com 10 anos. “Brinquei Carnaval desde muito cedo e em 2013 comecei a participar do Bloco das Ilusões. Minha afilhada me observava e sempre me perguntava quando poderia ir junto. Eu dizia que quando completasse 10 anos eu a levaria comigo. Assim, naquele ano, ela começou a frequentar os ensaios. Foi lindo, porque ela já conhecia todas as músicas. Parecia que ela tinha nascido cantando frevo”, conta.

O biólogo, que é carioca e nasceu ao lado da Marquês de Sapucaí, descobriu o amor pela folia em Pernambuco. “Meu avô me apresentou o Galo da Madrugada quando ainda nem existiam os trios que a gente vê hoje. Nós também frequentávamos o Pátio de São Pedro e assistíamos as escolas de samba. São muitas as expressões, mas você vai criando paixão por algumas coisas.” E um dos maiores amores foi despertado também pela família. “Meu pai gostava de ouvir os frevos líricos no rádio de pilha. Anos depois, encontrei os blocos líricos e passei a segui-los. Foi quando em 2013 recebi o convite para participar.”

Para Paulo, a saudade do Carnaval será superada este ano com ajuda das lembranças. “Iremos ouvir os frevos, ver as fotos e fazer nosso Carnaval em casa, mesmo com as dores.”

OLINDA

Fãs do Carnaval - seguem um monte de blocos, de Pitombeira e Elefantes ao Cariri, Eu Acho é Pouco, Mulher na Vara, Trinca de Ás, Macuca e Caranguejo Papa Mé - Artur Morais e Stela Oliveira, ambos com 61 anos, alugaram em 1989, pela 1ª vez, uma casa no Sítio Histórico de Olinda, bem no foco da folia, para brincar junto com amigos: na Rua de São Bento, pertinho da prefeitura. As filhas gêmeas do casal, Marília e Alice, tinham 9 anos.

“Foi muito marcante. Além de acordar com os blocos cedinho e ficar ouvindo frevo até altas horas da noite, aquele ano traz duas memórias especiais. Por um lado, iniciamos nossas filhas nessa farra que é seguir os blocos ladeira acima e abaixo e posso dizer que elas aprenderam muito bem, pois são superfoliãs”, conta Artur.

“A segunda coisa é que eu tinha levado umas asas de diabo. No domingo, acordei cedo e desci a ladeira da Rua Quinze de Novembro para comprar pão. Ao passar por uma barraca de frutas, vi umas mangas-rosa belíssimas. Surgiu a ideia da fantasia do ‘Cão chupando Manga’. Desde aquele dia, todo domingo de Carnaval, uso-a para acompanhar o Enquanto isso
na Sala de Justiça.”

Este ano, portas e janelas da residência deles, na Rua da Boa Hora (na entrada da Cidade Alta), em Carnavais passados abertas para familiares e amigos e ponto de saída dos Blocos Fique na Sombra e Se não brincar o bicho pega (criados por eles), estão fechadas. Para não sofrerem sem a folia, o casal foi para Aldeia, contando os dias para a farra de 2022.

EU ACHO É POUCO

Foi com o estandarte vermelho e amarelo e o dragão do Bloco Eu Acho é Pouco que o social mídia Thiago Marinho, 38 anos, teve um dos Carnavais mais inesquecíveis. Aos 21 anos, no sobe e desce das ladeiras de Olinda, em 2004, seguindo a orquestra de frevo, ele percebeu o real significado do Reinado de Momo. “É um êxtase coletivo. Antes eu ia para Olinda com primos e amigos, mas não costumávamos acompanhar nenhuma agremiação. Eu nem usava fantasia”, conta Thiago.

“Logo depois do Carnaval de 2003 comecei a namorar Luciana, que fazia parte da organização do bloco. Por isso, participei da produção do desfile do ano seguinte. Então em 2004 fiz fantasia, estava na concentração, segui todo o percurso do bloco. Percebi o que significava o Carnaval, esse vínculo com a alegria”, afirma.

Já casado com Luciana e pais de Olívia, 9 anos, ele se recorda de outro momento marcante. “Olívia tinha 4 ou 5 anos. Estávamos num dos ensaios abertos do bloco. Fazia calor, havia muita gente. Olívia começou a chorar. A coloquei no braço. Pedi que olhasse para o rosto das pessoas que estavam ali e percebesse a alegria que o bloco estava proporcionando a elas”, diz Thiago.

Ele e Luciana estão em outros relacionamentos, mas continuam juntos na paixão pelo dragão, na missão de incutir em Olívia o fascínio pelo Carnaval e na tarefa de colocar, literalmente, o bloco na rua (só não este ano).

Tags

Autor