SAÚDE

Mesmo com restrições, isolamento social em Pernambuco se mantém entre 40% e 50% e preocupa especialistas

Taxa de isolamento social nos últimos sábado (13) e domingo (14), medida pela empresa In Loco, ficou em 43,1% e 50,9%, respectivamente, no Estado

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Katarina Moraes

Publicado em 15/03/2021 às 14:04 | Atualizado em 15/03/2021 às 19:55
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Nunca houve, em um ano de pandemia, um momento mais crítico no Brasil, alertam os especialistas. Com a vacinação ainda caminhando a passos lentos, os jornais noticiam, dia após dia, altas ocupações de Unidades de Terapia Intensiva (UTI), de casos de covid-19, e, consequentemente, de mortes pela doença. E, mesmo com apenas serviços essenciais em funcionamento nos finais de semana em Pernambuco, a taxa de isolamento social nos últimos sábado (13) e domingo (14), medida pela empresa In Loco, ficou em 43,1% e 50,9%, respectivamente, no Estado.

Os números não estão distantes dos do último fim de semana, o primeiro em que só serviços essenciais puderam funcionar: de 43,3% no sábado (6) e 50,2% no domingo (7); e são ainda mais preocupantes do que parecem, segundo o cientista e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFRPE) Jones Albuquerque. “Esses índices são tecnológicos. Se você atravessar uma rua, sair de casa, ir na padaria e voltar, ele considera que você está em casa. Na essência, ele é dividido por três”, afirmou, em entrevista à Rádio Jornal.

Antes do decreto estadual que proíbe que serviços não essenciais abram as portas para o público, o cenário não era tão distante do atual. Dados extraídos por meio de tecnologia de geolocalização mostra que nos dois finais de semana anteriores às restrições do governo estadual, o isolamento tinha sido de 38,01% (27/02), 46,9% (28/02), 45,2% (21/02) e 33,06% (22/02) em Pernambuco. No final de semana de Carnaval, 13 e 14 de fevereiro, os números foram de 40,6% e 49,9%, respectivamente.

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Segundo o especialista, ainda que o isolamento efetivo desse sábado e domingo tivesse sido de em média 50%, não teria sido suficiente. Para ele, o ideal é alcançar a casa dos 70% para mudar o cenário epidemiológico no Estado. “Significa que metade da população está espalhando o vírus, e isso não é efetivo. Qualquer modelo matemático vai mostrar que a doença vai continuar a se espalhar com velocidade muito agressiva. E tem outra observação, a gente não sabe se é a mesma metade que está circulando. Se as metades se invertem entre um final de semana e outro, continua 100% em circulação”, explicou.

Uma das pessoas que precisou sair de casa nesse fim de semana foi o porteiro Henrique Moura, de 27 anos, por fazer parte dos serviços essenciais. Ele é funcionário de uma empresa de portaria virtual, que, por questões de segurança interna, precisa que a equipe se desloque até o escritório, na Zona Sul do Recife. Mas, nos dias em que está de folga, faz questão de não sair de casa. “A gente trabalha com portaria remota, atende todo tipo de visitante que chega no condomínio, em qualquer horário do dia. Está sendo difícil, porque tem uma redução no transporte público, que fica lotado. Sair de casa é um medo constante, principalmente porque corremos o risco de nos contaminar e contaminar os familiares com quem temos contato diariamente”, conta.

Segundo o monitoramento de movimentação relativa no Recife, feito pelo Instituto de Redução de Danos (IRRD), o momento em que a população esteve mais reclusa na capital pernambucana foi no dia 21 de abril de 2020, seguido pelo dia 17 de maio do mesmo ano. Nessas datas, o índice esteve em 0.61 e 0.60, nessa ordem. No dia 13 de março de 2021, a taxa foi de movimentação em 0.27. Quanto mais próximo de 0, menor seria o isolamento social. Assim, segundo o índice, a queda no isolamento teria sido de cerca de 44 pontos percentuais.

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Gráfico de movimentação relativa no Recife feito pelo Instituto de Redução de Danos (IRRD) de Pernambuco - REPRODUÇÃO

Comportamento

Enquanto isso, o boletim de domingo (14) da Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) apontou uma ocupação de 95% nas UTIs estaduais destinadas a pessoas acometidas pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), e de 87% nas privadas. Novos 1.104 casos foram confirmados, além de mais 26 óbitos pela covid-19. Por que, então, mesmo com esses números em alta, e com constantes alertas de autoridades sanitárias, a população parece continuar saindo de casa normalmente?

A doutoranda em psicologia cognitiva Taciana Breckenfeld levanta que é comum que após um período de muitas privações, como foi o ano de 2020, as pessoas tenham um comportamento impulsivo para sentir alívio. “Se isso não for feito de forma equilibrada, acaba virando uma alienação, porque a gente passa a não ver os fatos reais, os dados informativos, e acaba entrando em uma vivência de só querer sentir prazer, e perde a medida. O equilíbrio é a gente passar por estados extremos, como foi o lockdown, e poder viver o outro lado de forma responsável. As pessoas que não conseguem viver isso podem estar com um desajuste do ponto de vista emocional”, disse.

É o caso da administradora Maria Fernandes (nome fictício), de 22 anos. Quando as primeiras notícias sobre o vírus chegaram, a jovem fazia questão de tomar todos os cuidados para não se contaminar e não transmitir a doença para a família. A partir da volta presencial para o trabalho e da liberação para atividades sociais no Estado, as medidas de proteção foram relaxadas. “Eu estou em um dilema e sem muita saúde mental para continuar isolada. Eu não estou me apegando mais aos números, não assisto mais ao noticiário, e isso me deixa sem medo. Mesmo que eu tente me conscientizar, acabo fazendo coisas que de forma alguma imaginaria fazer no início da pandemia”, admite.

Na contramão, está o comerciante Jeferson Pereira, 29 anos. Ele trabalha vendendo peixe para as barracas da praia de Boa Viagem, mas, estando impedido de trabalhar, preferiu ficar em casa nos últimos dois finais de semana. "Já tem dois fins de semana que a gente não trabalha. Já sempre trabalhamos no verão para juntar dinheiro para esse período de agora, quando acabam as férias, porque o movimento sempre cai. A gente está conseguindo segurar, por enquanto. [O decreto] não é bom, mas concordo em partes, porque todo final de semana a praia é muito cheia, e o pessoal não respeita. A gente coloca quatro cadeiras, e chega uma família que não quer obedecer e quer colocar seis ou sete. Quando passa um fiscal, são ignorantes com ele", relata.

A saída para o estado de negação da realidade atual da pandemia, para Breckenfeld, é a auto reflexão. “A gente precisa permanecer com consciência coletiva, com auto reflexão, com responsabilidade. Porque a gente ainda está na ‘vivência de guerra’, porque a gente precisa pensar de forma coletiva para todo mundo sobreviver. É preciso repensar os comportamentos. Existe um decreto, se no final de semana não pode sair, não pode. Eu devo buscar alternativas para viver o bem estar de outras formas, porque a pandemia em 2020 conseguiu estabelecer isso; conseguimos sobreviver conversando de forma virtual, fazendo exercício e se divertindo em casa.”

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