Em meio à pandemia da covid-19, semáforos do Recife viram palco para frevo e ganha pão
Sem trabalho fixo por causa do coronavírus, músico Danilo Ricardo está todos os dias em cruzamentos do Recife para tocar saxofone e conseguir dinheiro para sobreviver
Em pleno mês junino, às vésperas do dia de Santo Antônio (próximo domingo, 13), não estranhe se ao parar num semáforo de Recife você ouvir um frevo em vez de forró. É tocando o Hino de Elefante, Cabelo de Fogo ou Vassourinhas, canções tão executadas durante o Carnaval, que o músico Danilo Ricardo Souza, 29 anos, tem conseguido sobreviver em plena pandemia de covid-19. Desde fevereiro, ele está todos os dias com seu saxofone em algum cruzamento da capital pernambucana para levar um pouco de alegria para motoristas e pedestres. Em troca, quem pode ajuda com algum dinheiro e assim Danilo garante alimento para ele e a esposa.
"Sou apaixonado por frevo. Quase todo pernambucano, mesmo que não brinque Carnaval, gosta do ritmo ou conhece algum frevo. Além de ser a cara de Pernambuco. Tocava em bares, restaurantes, eventos. Com a pandemia ninguém mais está contratando. O jeito foi vir para a rua. Por necessidade, toco nos sinais e as pessoas ajudam com algum trocado", diz Danilo. Ele começa por volta das 10h. Tem uma meta diária: arrecadar 150 reais. "Só volto para casa quando consigo esse valor", explica o músico, que não tem ponto fixo e reside em Paulista, no Grande Recife.
Danilo já esteve em Boa Viagem, na Zona Sul, perto da igrejinha. Na Avenida Rosa e Silva, no bairro dos Aflitos, Zona Norte. Nesta quarta-feira (09) escolheu tocar no cruzamento da Avenida João de Barros com a Rua Monte Castelo, na Boa Vista, área central do Recife. "É muito bom ver a expressão de alegria no rosto das pessoas. Muitas estão cabisbaixas dentro dos carros. Quando escutam o frevo levantam a cabeça, batem palmas, vibram com a música. Em um tempo tão difícil para tanta gente por causa da pandemia, isso me deixa feliz", afirma o rapaz.
Além do saxofone, ele toca flauta. Estudou na Escola Municipal de Arte João Pernambuco, localizada na Várzea, Zona Oeste da cidade. Também sozinho. Mas a música não foi seu primeiro ganha pão. Danilo era soldador offshore. Trabalhou em Suape, no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, até 2014. Com a crise no complexo portuário, perdeu o emprego. Ainda tentou trabalhar fora de Pernambuco. Esteve na Bahia, Paraíba, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. "Para onde fui, levei comigo o saxofone. O instrumento era minha companhia nos alojamentos. À noite, depois do serviço, estudava sozinho", conta Danilo.
A música passou a ser sua fonte de renda em 2016. Tocou em orquestras como a da Pitombeira. "A covid-19 me fez perder um contrato de R$ 6 mil", diz Danilo, que lamenta a desvalorização da classe artística. "Não queremos auxílio emergencial. Nosso desejo é voltar a tocar, a trabalhar. Desejamos que os bares e restaurantes possam abrir todos os dias, haja shows e eventos", comenta Danilo. Enquanto isso não acontece, é nos semáforos do Recife que ele nos faz lembrar o refrão de outra música. "A nossa vida é um carnaval, a gente brinca escondendo a dor".
Quem quiser ajudar pode transferir qualquer valor para o pix da esposa dele, Fernanda Rodrigues. O número é 11 05 13 07 465 (CPF).