Conquista

Conheça a história do estudante pernambucano aprovado na Universidade de Harvard: "quero inspirar outras pessoas"

João Arruda Victor tem 18 anos e embarcou para os Estados Unidos nesta terça-feira (24). Em entrevista ao JC, ele detalhou o esforço para conquistar a vaga

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Douglas Hacknen

Publicado em 25/08/2021 às 8:30 | Atualizado em 25/08/2021 às 9:43
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Filho da professora Alcilene Bezerra e do taxista José Francisco, ambos com 57 anos, o estudante recifense João Victor Arruda, 18, foi um dos 747 selecionados entre mais de 10 mil de todo o mundo para estudar na Universidade de Harvard, no estado norte-americano de Massachusetts, a partir deste ano. João embarcou nesta terça-feira (24) para os Estados Unidos e deve começar as aulas em setembro. Em entrevista ao JC, ele detalhou o esforço para conquistar a vaga.

O adolescente morou na capital pernambucana até os 5 anos, quando se mudou para a cidade de Camaragibe, na Região Metropolitana. Ele teve uma infância dividida entre estudos, livros e filmes. Com os pais trabalhando, um dos irmãos estudando em um período diferente do seu e os demais morando em outra casa, João precisou ficar sozinho muitas vezes, e diz que o silêncio foi proveitoso. "Acho que isso contribuiu muito porque era nesse período que eu ia atrás de aprender as coisas. Eu gostava muito de ler e assistir filmes. Foi assim que surgiu meu interesse pela língua inglesa", disse.  

Tendo cursado todo o ensino fundamental no Centro Educacional Professora Jovelina, em Camaragibe, no ano de 2018 ingressou no Colégio Militar do Recife (CMR), na Zona Oeste da capital pernambucana. No ensino médio, ele começou a se envolver em projetos sobre os dois assuntos que mais gosta: ciências e política.

O então aluno do CMR participou, entre 2018 e 2019, do Programa de Iniciação Científica do Ensino Médio na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), desenvolvendo estudo na área de células-tronco. Em 2019, ele foi selecionado para participar do Harvard Model United Nations, um dos eventos acadêmicos direcionados à estudantes, simulando organismos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em 2020, João teve projeto aceito para a 25ª Assembleia da Juventude da ONU, realizada em Nova York, com jovens de mais de 100 países ao redor do mundo para debater os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - Agenda 2030. O pernambucano apresentou iniciativa chamada Cidadãos do Mundo, que tinha como objetivo divulgar as conferências Modelo da ONU para todas as escolas brasileiras. Também no ano passado, João participou do Programa Parlamento Jovem Brasileiro 2020, que oferece a estudantes do ensino médio de todo o País a oportunidade de simular a jornada de trabalho dos deputados federais.

Durante o terceiro ano do ensino médio, João descobriu o Programa Oportunidades Acadêmicas, da EducationUSA, iniciativa do Departamento de Estado norte-americano que ajuda estudantes de baixa renda que querem estudar fora do Brasil e são academicamente qualificados. Além de Harvard, ao menos outras dez instituições norte-americanas receberam inscrições do pernambucano. 

Esforço e recompensa 

Para conquistar o resultado, o adolescente teve que abdicar de muitos momentos de sua vida. Além de provas, os estudantes precisaram submeter as notas do ensino médio, ter cartas de recomendação, redações sobre experiências pessoais e ainda comprovar algum envolvimento com causas da comunidade. Ele vai cursar Government, o que equivale ao curso de ciências políticas.

"Eu estudei bastante para as provas. Eu acordava muito cedo e ia até a noite estudando e aperfeiçoando meu inglês, porque as provas são todas em inglês. Além disso, tive que testar a habilidade de falar e de ouvir, pois eles analisam tudo, não só a escrita. Em relação às provas, foi uma preparação assim: acordando, estudando e ficando até dar sono e o cansaço realmente bater".

João brinca que só acreditará que o sonho se tornou realidade quando entrar no campus de Harvard e receber a carteirinha de aluno da instituição. "Quando recebi a carta, eu só consegui chorar e pensar que o meu esforço ao longo de todo o ensino médio foi valorizado e que eu era muito privilegiado de estar naquela posição. Era o meu maior sonho desde pequeno, então, eu não consegui acreditar, mas fiquei muito feliz, muito realizado", contou.

O recifense concorreu com um total de 10.086 inscrições, de todo o mundo. No Brasil, apenas João Victor e outros dois estudantes, sendo um de São Paulo e um do Distrito Federal, conquistaram vaga no primeiro ciclo de seleção para o ingresso 2021 em Harvard. O estudante foi contemplado com bolsa de estudo de 100% e ajuda financeira, e poderá trabalhar no campus para complementar a renda.

Assim que soube da aprovação, João não queria colocar a 'cara na mídia', aparecer e conceder entrevistas, mas mudou de opinião quando observou que "isso pode servir como uma forma de inspirar outras pessoas, que como eu, um dia precisaram de uma palavra ou de um modelo para olhar e se espelhar, principalmente aqui no Nordeste".

"Historicamente, no nosso País, a gente sofre preconceito de outras regiões. As pessoas fazem piada com o povo nordestino, cria estereótipos que são totalmente injustos. O lugar que a gente nasce não determina a nossa inteligência, nosso potencial, nem onde a gente quer chegar. Representar o Nordeste, Pernambuco, Camaragibe, Recife e o Brasil lá em Harvard é muito importante", acrescentou.

Volta para o Brasil

Quando concluir a formação nos Estados Unidos, o objetivo de João é voltar ao Brasil. A formatura está prevista para 2025.

"Eu não vejo porque estudar fora se você quer simplesmente fugir do nosso País e da nossa realidade. O valor de estudar fora é justamente para voltar e aplicar aquilo que você aprendeu com outras pessoas, com outras culturas, aqui no Brasil. Quando voltar, pretendo seguir uma carreira ou diplomática, ou como cientista político e tentar melhorar as condições de vida para todo mundo, independente da polarização", planeja.

Apoio da família e dos professores

A fé, a família e a educação foram os pilares de sustentação apontados pelo estudante. A conquista foi dedicada a uma pessoa, em especial: seu tio Onofre. Falecido em maio de 2020, ele morava nos Estados Unidos e servia como inspiração para o jovem. "Ele foi a primeira pessoa que me mostrou que alguém da minha família poderia morar fora do Brasil, que alguém da minha família poderia ir além do que a gente já tinha. Ele acreditava muito em mim e sempre brincava que 'quando você vier, vai me visitar e nós vamos conhecer Nova York'. Eu queria muito que ele estivesse aqui para ver essa conquista. Quando recebi a notícia, falei que iria conseguir por ele", disse.

A dedicação de sua mãe, de seu pai e o apoio dos irmãos também foram lembrados. "Agradeço primeiro a Deus e a família. Sou de uma família religiosa e minha mãe está sempre rezando por mim. Meus pais e meus irmãos sempre estão dando força e acompanhando quando eu preciso. Agradeço a todos os meus professores, desde o Centro Educacional Professora Jovelina até o CMR. Em especial aos que escreveram minhas cartas de recomendação".

O poder da educação

A transformação trazida pela educação foi o ponto que o pernambucano mais enfatizou. Ele avalia que há pessoas que não dão a atenção devida aos estudos porque não sabem da capacidade de mudança que um bom ensino pode trazer.

"Eu diria que o poder da educação é uma coisa que muitos não dão o valor necessário, não percebem o poder transformador. Acredito que através de educação as pessoas conseguem chegar a lugares que elas nunca imaginariam antes", finalizou o jovem.

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