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Fiscalização continua sem chegar a ferros-velhos de Pernambuco oito anos após lei

Lei estadual de 2013 previa necessidade de identificação de todas as transações em ferros-velhos. Até hoje, no entanto, não foi definido quem seria responsável por fazer essas fiscalizações, e objetos por vezes pertencentes ao patrimônio público e privado seguem sendo repassados às escuras

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Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 26/01/2022 às 9:12 | Atualizado em 15/06/2022 às 9:44
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Em um ritmo constante, pessoas vão e vêm carregando tralhas, fios de cobre e peças de alumínio em um ferro-velho no Recife. Um controle interno é feito, com o registro na entrada, mas dificilmente se sabe qual é a procedência dos materiais. Mesmo oito anos após sanção da lei estadual que estabelecia que comprador e vendedor de quaisquer transações nestas empresas deveriam ser identificados, sob pena de multa e apreensão, fiscalizações não são feitas.

Enquanto isso, objetos muitas vezes pertencentes ao patrimônio público e privado seguem sendo repassados às escuras, o que prejudica a sociedade e até mesmo os estabelecimentos que escolhem funcionar legalmente.

Sem a regulamentação, as irregularidades são identificadas somente quando denúncias são feitas. Um exemplo foi uma operação da Polícia Civil de Pernambuco, que, em outubro de 2020, apreendeu mais de 400 quilos de fios de cobre roubados em ferros-velhos na Região Metropolitana do Recife, além de prender 21 pessoas por receptação qualificada, furto de energia e posse ilegal de arma de fogo, com apoio de outras forças policiais.

Um outro caso foi a descoberta de que, no último ano, as 64 das 79 peças furtadas no Parque das Esculturas, no Marco Zero, foram derretidas e vendidas a baixo custo nestes estabelecimentos.

Um alvo frequente deste crime é o Metrô do Recife, que entre 2016 e 2020 teve 15,5 km de cabos furtados, ocasionando 317 falhas no sistema. Um prejuízo que, segundo a CBTU Recife, é calculado em R$ 350 mil. Já em 2021, foram 2.755 clipes, responsáveis por prender os trilhos na via, furtados para venda a ferros-velhos.

"Esses dois tipos de roubo afetam diretamente a velocidade dos trens, que passam a trafegar com velocidade bastante reduzida, causando grandes transtornos para o deslocamento da população da Região Metropolitana do Recife, usuária do Metrô. A não disponibilidade de clipes para reposição pode causar até a interdição de parte da via", alegou, por nota.

As operações policiais contra esses crimes, no entanto, é periódica; já que, segundo a lei de número 15.034, a responsabilidade de fiscalizar ferros-velhos constantemente seria de "órgãos públicos nos respectivos âmbitos de atribuições" - sem especificar quais seriam estes. Na legislação consta que caberia "ao Poder Executivo regulamentar a presente Lei em todos os aspectos necessários para a sua efetiva aplicação" - o que nunca foi feito.

Por nota, a Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco (PGE-PE) informou "que a lei em questão não foi regulamentada e que depende do alinhamento entre vários órgãos para a sua aplicação", sem dar prazos para que isso aconteça.

FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
Lei sobre ferros-velhos em Pernambuco aguarda regulamentação desde 2013. Sem fiscalizações regulares, estabelecimentos comercializam com frequência itens furtados - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Falta de regulamentação dos ferros-velhos de Pernambuco prejudica a sociedade e até mesmo os estabelecimentos que escolhem funcionar legalmente - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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AMONTOADO Muitas das peças vendidas em ferros-velhos foram de carros que passaram por sinistro, mas falta de fiscalização atrapalha controle - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Lei sobre ferros-velhos em Pernambuco aguarda regulamentação desde 2013. Sem fiscalizações regulares, estabelecimentos comercializam com frequência itens furtados - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Falta de regulamentação dos ferros-velhos de Pernambuco prejudica a sociedade e até mesmo os estabelecimentos que escolhem funcionar legalmente - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

A lei também dizia que todos os ferros-velhos deveriam ter um cadastro específico de compra, venda ou troca, identificando o vendedor e o comprador, com informações pessoais de ambos, data da transação e detalhamento da quantidade e da origem dos materiais. Em caso de troca, deveria haver a especificação. O estabelecimento que não cumprisse ficaria sujeito a multa de R$ 1 mil a R$ 50 mil, dependendo do porte e o grau de reincidência, além da apreensão de todo material identificado como cabo de cobre, alumínio, baterias e transformadores.

O advogado e professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE) Esdras Peixoto explica que "a lei é válida, mas não é eficaz", porque ela depende da regulamentação. "O processo pode existir desde que a polícia saiba que houve receptação. Agora, a fiscalização de rotina não pode acontecer, porque a lei dirigiu ao poder executivo a tarefa de regulamentá-la - dizer como e quem vai fazer a fiscalização. Está faltando articulação e vontade política de sentar com órgãos que poderiam ficar responsáveis por isso, e decidir a quem vai competir as visitas", explicou.

À reportagem do JC, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) informou que não há como realizar nenhuma denúncia contra os estabelecimentos irregulares sem que seja feita uma regulamentação da lei.

A importância dos ferros-velhos para quem deles depende

É do ferro-velho onde trabalha há mais de 40 anos que Gilson Osório, de 58 anos, tira o sustento, a partir da venda de peças de carro usadas. O comerciante se diz afetado pela falta de regulamentação da lei. "Nos prejudica porque quando a polícia pega algum caso, o pessoal fica falando de todos [os ferros-velhos]. Quem vem comprar já fica receoso, a gente acaba perdendo muitas vendas. Eu só pego peças de seguradoras, mando ajeitar e revendo. Não pego peças de pessoas físicas, porque não sei de onde vêm. Por isso trabalho com isso todos esses anos e nunca houve nada", disse.

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REGULAR Gilson Osório tira o sustento do ferro-velho e trabalha apenas recebendo peças de seguradoras - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

O empresário Sérgio Machado, 45, dono do Só Sukata, no Arruda, Zona Norte do Recife, emprega 23 pessoas no negócio, e compra peças de mais de mil pessoas por mês. "Eu entendo isso aqui como um ramo colaborativo. Além dos nossos funcionários, isso aqui também é o sustento das pessoas que vêm vender. Por ter fechado as portas na pandemia, contou que alguns de seus fornecedores começaram a montar seus pequenos negócios - muitos deles clandestinos - para sobreviver. "Acho que só tem fiscalização nesses tipos de ferro-velho quando vão atrás de coisa errada. Acho que o governo e a prefeitura não dão muita pancada neles porque sabem que são de pessoas humildes".

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Dayvid Diógenes, 38, é um dos funcionários da Só Sukata, de onde tira o sustento da família - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM

No estabelecimento de Sérgio, todos os dias chegam latinhas, desodorantes e outros tipos de alumínio que são prensados, virando blocos, e enviados para indústrias - transformando-se em novos produtos. "O que a gente mais quer é a reeducação ambiental. O Brasil deveria priorizar a educação pela reciclagem. É o que fazemos aqui", afirmou.

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RESÍDUOS RECICLÁVEIS Brasil contabiliza 27,7 milhões de toneladas anuais - FILIPE JORDÃO/ACERVO JC IMAGEM

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