Infraestrutura

População da Mata Sul de Pernambuco continua com medo das enchentes e à espera das barragens prometidas pelo governo

Das cinco barragens que seriam construídas, após a enchente de 2010, apenas a de Serro Azul, em Palmares, ficou pronta. As outras são elefantes-brancos na paisagem das pequenas cidades

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Adriana Guarda

Publicado em 13/02/2022 às 8:00 | Atualizado em 13/02/2022 às 11:58
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De meia em meia hora, Elineide saía de casa para olhar como estava o Rio Una. Ele não parava de subir e a chuva não dava trégua, naquela sexta-feira, 18 de junho de 2010. A data marcou, definitivamente, a vida dos moradores de Palmares e dos municípios da Mata Sul de Pernambuco. A impressão era de que um tsunami tinha passado pela cidade, arrastando tudo o que encontrava pela frente. "Minha vizinha, Dona Severina, foi resgatada de helicóptero do teto de casa", conta Elineide, recordando a imagem das casas submersas.

A maior enchente da história da Mata Sul atingiu dezenas de municípios, deixou 20 mortos e tirou 82 mil pessoas de suas casas. A tragédia ganhou repercussão nacional e fez o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), colocar os pés na lama em Palmares para avaliar os estragos, junto com o ex-governador Eduardo Campos. Da visita ao cenário de destruição, surgiu a promessa de construir cinco barragens na Bacia do Rio Una para evitar novas cheias. Os empreendimentos seriam construídos com recursos divididos, meio a meio, entre o governo do Estado e o governo Federal. Mais de 10 anos se passaram e apenas a Barragem de Serro Azul, em Palmares, foi entregue. As enxurradas continuam a acontecer, como as de 2017 e 2019, e a população segue sentindo medo. 

Recursos públicos foram gastos e as construções ficaram pelo caminho, como imensos elefantes-brancos, na paisagem de pequenos municípios do interior. Além de Serro Azul, que foi inaugurada em 2017, foram prometidas as barragens de Panelas II, em Cupira; de Gatos, em Lagoa dos Gatos; de Igarapeba, em São Benedito do Sul e de Barra de Guabiraba, em Barra de Guabiraba. Dessas, a mais 'adiantada' é Panelas II, com 50% da obra executada. As demais têm 20%, 38% e 25%, respectivamente.

No evento de início das obras das barragens de Igarapeba e Barra de Guabiraba, em 2013, Eduardo Campos comentou a intenção de acelerar a construção. "Na Região Metropolitana foram necessários 30 anos para que fossem construídas as quatro barragens do Rio Capibaribe, programadas depois das grandes enchentes dos anos 70. Aqui, faremos em quatro anos as cinco barragens”, discursou o governador, em São Benedito do Sul. Não foi isso o que aconteceu. Com previsão de ficar prontas em 2012 e 2013, as obras estão completando sua primeira década. 

ARTES JC
Barragens - ARTES JC

O JC esteve nas barragens de Serro Azul, Panelas II e Gatos. Nas que estão com as obras paralisadas, o governo de Pernambuco contratou uma empresa de segurança. Um vigia toma conta da porteira para garantir que ninguém entre no local, inclusive a imprensa, sem autorização da Secretaria de Infraestrutura e Recursos Hídricos (SeInfra). 

FLÁVIO JAPA / SEINFRA
OUTSIDER Fernandha foi gerente da Projetec antes de assumir cargo na Emlurb na gestão Geraldo Julio - FLÁVIO JAPA / SEINFRA

A titular da SeInfra, Fernandha Batista, explica que uma série de problemas atrapalharam a conclusão das barragens. "No início, por falta de repasses, o Estado decidiu investir na que ia proteger a maior quantidade de pessoas. Por isso decidiu concluir a Barragem de Serro Azul e terminou no final de 2016. E as outras quatro ficaram paralisadas, seja por falta de recursos, seja por necessidadede ajuste nos projetos. Foram muitas coisas que, naquele momento, resultaram na paralisação das obras. Diante desse cenário difícil político, econômico e financeiro no País, em 2018 houve a decisão de encerrar os convênios das barragens", revela. 

De acordo com a secretária, em 2019 o governo de Pernambuco iniciou uma série de tratativas em Brasília, com a Controladoria-Geral da União e o Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) para retomar essas barragens. "Em 2017 teve chuva intensa novamente na Mata Sul, quase que na mesma proporção de 2010 e todos os projetos tiveram que ser refeitos. Em 2019, formalizamos novamente convênio com o Ministério para duas das quatro barragens (Gatos e Panelas II) e em 2020 conseguimos R$ 76 milhões em emendas de bancada, que são suficientes para concluir as duas barragens. Em dezembro de 2021, o MDR nos autorizou a fazer a contratação da obra. Aí começamos a trabalhar no edital, que pretendemos publicar ainda em fevereiro", observa Fernandha, adiantando que a expectativa de entrega é para o final de 2023.

As outras duas, o governador Paulo Câmara (em final de mandato) vai tentar concluir com recurso estadual, no valor de R$ 200 milhões. 

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Das cinco Barragens prometidas após a enchente de 2010, apenas uma ficou pronta: a de Serro Azul em Palmares. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Nos últimos dias de dezembro do ano passado, a secretaria enviou comunicado à imprensa informando que recebeu autorização da União para contratar as obras das barragens de Gatos e Panelas II. A previsão é que a contratação seja realizada em um prazo de 90 dias, com previsão de execução da obra em até um ano e três meses. O investimento de R$ 32 milhões para Gatos e de R$ 46 milhões para Panelas II viria de emendas da bancada parlamentar federal, com contrapartida do Estado.

A população local, que se beneficiou com o impacto econômico do projeto, viu a construção ser paralisada em 2013. "Quando a obra da barragem começou foi bom porque teve muito emprego para a região, mas durou só um ano e meio. Acabou o dinheiro e pararam a construção. Eu mesmo me beneficiei, porque trabalhei produzindo brita para fazer o concreto para a barragem. Mas fomos todos dispensados e ficaram as montanhas de brita ao longo da rodagem, que daria para encher muitos caminhões", conta o agricultor Otoniel Onézimo, 43 anos, morador de Lagoa dos Gatos.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Das cinco Barragens prometidas após a enchente de 2010, apenas uma ficou pronta: a de Serro Azul em Palmares. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Além das pilhas de brita, os moradores contam que dentro da porteira, protegida pelo vigilante, tem uma grande quantidade de placas de concreto e ferragens espalhadas. Eles calculam que do paredão de 60 metros foi erguido pouco mais de um terço (23 metros).

Para a população de Lagoa dos Gatos e Cupira, a conclusão das duas barragens têm muitos significados. O principal é conter a água dos rios e das chuvas e evitar as enchentes, que causam pânico aos moradores, com seu rastro de destruição, prejuízo e mortes. O segundo é movimentar a economia dos municípios, que vivem principalmente da agricultura e tem baixa capacidade de geração de emprego e renda. E a terceira é levar água às famílias, que vêem suas cidades inundadas, mas não têm água nas torneiras.

Pode ser que um dia a obra termine, mas tanto eu como os moradores daqui perdemos a esperança. Porque já se passaram quase 10 anos e só existe promessa, a gente não vê nada acontecer. O presidente (Bolsonaro) esteve aqui (na região) e disse que entre janeiro e fevereiro vinha com o Exército terminar essa obra, mas até agora nada. Aí a gente fica tudo sem esperança, não tem mais fé nessas coisas", lamenta Otoniel.

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Das cinco Barragens prometidas após a enchente de 2010, apenas uma ficou pronta: a de Serro Azul em Palmares. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

O agricultor lembra que em 2017 e 2019 a Mata Sul enfrentou outras enchentes. "As pessoas aqui continuam correndo perigo, porque como a barragem foi feita pela metade, quando chove a água ainda desce para os municípios vizinhos, como Belém de Maria, Catende, Palmares, Água Preta e Barreiros. Ninguém sabe o que vai acontecer. Pode vir uma tragédia igual ou pior a de 2010 e não estaremos preparados", alerta.

Esse medo assombra toda a população da Mata Sul. Mesmo àqueles que viram a única barragem do pacote de obras prometido ser concluída, a de Serro Azul, em Palmares. "Dizem que a barragem tem rachaduras. Vieram engenheiros e técnicos aqui para avaliar a situação. Não sabemos se é verdade, mas ficamos com medo. Eu tenho medo. Ainda hoje fico sensibilizada quando vejo uma enchente. Chorei naquele dia (em 2010) e ainda choro muito", diz a técnica em enfermagem, Elineide Azevêdo, 52 anos, moradora de Palmares.

Ela conta que tinha acabado de comprar sua casa, em 2008, quando perdeu tudo com a enxurrada em 2010. A água chegou a três metros acima da minha laje. Eu levei minhas coisas para a casa da minha irmã, porque lá não costumava encher, mas ninguém escapou dessa vez. Saímos das nossas casas e dormimos no quarto de hotel de um amigo. Só tinha um quarto para abrigar 15 pessoas. Demorei de 3 a 4 meses para reconstruir tudo e voltar para a minha casa. Parecia um filme, nunca tinha visto nada parecido com aquilo. As casas estavam cobertas, a água batia no semáforo de entrada da cidade, as ruas estavam repletas de entulho. A moenda do engenho foi arrastada pelas ruas. Parecia um cenário de guerra", relembra Elineide.

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