O Instituto de Arquitetos do Brasil em Pernambuco (IAB-PE) publicou uma nota, nesta quinta-feira (13), com críticas relativas ao projeto do Jardim do Poço, novo espaço público da Zona Norte da capital pernambucana que foi anunciado nesta semana pela Prefeitura do Recife.
No terreno de 12 mil m², seria construído, inicialmente, um novo Atacado dos Presentes na cidade - que foi alvo de protestos de moradores da região.
Nessa esteira, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) chegou a contratar a elaboração de um estudo, tocado pelos arquitetos Zeca Brandão e Vitor Araripe, que mostrava os impactos impactos visuais, ambientais e na mobilidade que o empreendimento poderia causar..
A mobilização gerou efeito e, em 2020, a gestão municipal cancelou a licença prévia para a construção da loja, que contaria com três pavimentos para comércio e dois para garagem em 20 mil m² construtivos, com uma expectativa de movimentação diária de 3 mil pessoas.
Na última terça-feira (11), a Prefeitura oficializou a compra do terreno, em desapropriação assinada pelo prefeito João Campos (PSB) no Diário Oficial do Recife.
O próprio IAB-PE foram contrários à loja, mas a entidade alegou que a elaboração do Jardim do Poço também foi feita sem um processo de escuta popular.
"O que mais nos surpreende é a divulgação da desapropriação já com imagens do parque, mas ainda sem diálogo e transparência sobre o processo. Ao decidir e agir dessa maneira, a Prefeitura se afasta da sua função de mediar conflitos e distorções sociais", citou.
A nota também pontua a importância da instalação de parques e praças na cidade, a fim de garantir mais qualidade de vida urbana, mas chamou atenção para "a discrepância nos investimentos" para bairros valorizados - como é o caso do Poço da Panela.
"Enquanto bairros que concentram moradores de alta renda ganham equipamentos dignos com mobiliários de qualidade, localidades com população mais carente recebem pinturas em escadarias e muros", denunciou.
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Como alternativa, pediu para que a área concilie "área verde pública com habitação popular", sobretudo para as famílias que têm sido removidas, atualmente, da Zona Especial de Interesse Social (Zeis) Vila Esperança.
Para a construção da Ponte Engenheiro Jayme Gusmão previstas 53 desapropriações na comunidade somente na primeira etapa. Na segunda, o número de famílias que terão de deixar o local pode passar de 200.
Contudo, somente um habitacional com 75 apartamentos está previsto até então - enquanto as demais residências receberão valores abaixo do mercado pelo título de posse da terra nunca ter sido dado aos moradores da Zeis.
A reportagem do JC contatou a Prefeitura do Recife para obter um posicionamento e aguarda resposta. O espaço está aberto.
CONFIRA NOTA COMPLETA DO IAB-PE
"PARQUE PARA UNS, DESPEJOS PARA OUTROS
Fomos surpreendidos esta semana com a notícia de um novo parque no Recife. Parte da surpresa se deve ao seu enredo peculiar no contexto da cidade: um terreno de 12 mil metros quadrados, no Poço da Panela, mantido vazio desde a demolição do antigo hospital que lá existia, ainda em 2009; sucessivas promessas de empreendimentos de duas redes comerciais, uma varejista, outra atacadista, ambas rechaçadas pelos moradores da vizinhança; por fim, uma rara iniciativa de desapropriação de um imóvel de um grande investidor privado em um bairro nobre.
Mas o que mais nos surpreende é a divulgação da desapropriação já com imagens do parque, mas ainda sem diálogo e transparência sobre o processo. Ao decidir e agir dessa maneira, a Prefeitura se afasta da sua função de mediar conflitos e distorções sociais. Na verdade, ela passa a amplificá-los. Ora, quais são as prioridades de uma cidade que tem a maioria da sua população vivendo em situação de vulnerabilidade?
É claro que a cidade precisa de parques e praças. Essa é uma de nossas bandeiras históricas. Quanto mais pessoas puderem usufruir desses espaços, mais qualidade de vida urbana teremos. Porém é preciso observar que o Recife possui uma série de outras emergências quanto ao tipo e à localização de suas obras. Convivemos com piora nos alagamentos, aumento no déficit habitacional e degradação do espaço público, além de reincidentes deslizamentos de barreiras com vítimas fatais.
E mesmo acerca dos parques, a discrepância nos investimentos é patente. Enquanto bairros que concentram moradores de alta renda ganham equipamentos dignos com mobiliários de qualidade, localidades com população mais carente recebem pinturas em escadarias e muros. Essas intervenções figuram muito bem nas redes sociais, mas são literalmente superficiais.
O recente anúncio do novo parque no Poço só esgarça essa desigualdade. De um lado, uma das áreas mais valorizadas da cidade, já dotada de espaços qualificados e com moradores de condição socioeconômica privilegiada, tem seus apelos ouvidos e ganha um projeto que irá beneficiá-la ainda mais.
De outro, a menos de um quilômetro, na Zeis Vila Esperança, pessoas são removidas com pressa e baixas indenizações para a obra da ponte Monteiro — Iputinga. Das mais de 300 famílias, apenas 75 deverão receber apartamentos em um local próximo às suas atuais moradias, em um terreno de cerca de 3 mil metros quadrados — o equivalente a 25% da área do parque do Poço.
Por esses números, fica evidente que o caminho da desapropriação no Poço da Panela ainda pode — e deve — ser outro. Por exemplo, é bem possível conciliar área verde pública com habitação popular para que mais pessoas removidas da Vila Esperança sigam vivendo a 10 minutos de caminhada do local. Para tal, da mesma forma que a Prefeitura já fez acertadamente para o Parque Capibaribe, esse processo deverá passar por um concurso público de arquitetura. Esse é o caminho rumo ao ponto de encontro entre transparência, qualidade urbana e compromisso social.
Nós do Instituto de Arquitetos desejamos que esta não seja mais uma oportunidade perdida pela reprodução de privilégios e desigualdades. Portanto, e por seu seu histórico de apreço à democracia, justiça social e direito à cidade, o IAB se propõe como facilitador das conversas entre a Prefeitura da Cidade do Recife e a população. Para a construção de uma cidade mais justa e equânime, o que há de mais urgente é o diálogo — ele custa pouco e já está à disposição."
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